sábado, 14 de janeiro de 2017

Impressões e experiências na Índia

O slogan oficial do governo diz “Incredible India”, mas na minha opinião a melhor palavra para definir o que se vive aqui seria “intenso”.



A Índia não tem meio termo, não tem versão para turista. É caótica, suja, vibrante, tem vaca, macaco, cachorro, templo, estátua, muçulmano, sik, hindu, tudo ao mesmo tempo, literalmente no mesmo segundo. Quase não há espaço para respirar no meio de tanta coisa. Mercado, moto (muita, mas muita moto), poeira, rua cheia, todo tipo de mercado, trânsito sem regras MESMO, doces deliciosos, verdadeiros artistas fazendo comida na sua frente, enquanto outros tentam te vender aquele pacote turístico especial para o Rajastão. Chegar na Índia é como mergulhar de roupa numa piscina, não dá para escapar seco!



Cheguei aqui achando estar suficientemente preparado, após muita leitura, muitos relatos, experiência recentes de amigos, etc. Mas a verdade é que não tem como chegar aqui e não ter uma fase de transição, onde a vontade de ir embora, a pergunta “porque diabos eu escolhi vir para esse país?”, ocorrem com bastante frequência.



Não é fácil, nada aqui é fácil. Se transportar, comer, dormir, tomar banho, encontrar papel higiênico, uma infinidade de pequenos detalhes fazem ações simples do cotidiano muitas vezem se tornarem uma cruzada. Além disso, ao contrário do que muitos indianos dizem e acreditam, a grande maioria da população não fala inglês, ou fala menos que o necessário para se comunicar, então a conversa trava em muitos momentos.


Porém, depois de um determinado ponto, comecei a me dar conta que é justamente essa enorme diferença com o resto do mundo que faz esse país ser tão incrível! Simplesmente não há como comparar, não se pode colocar a realidade indiana em nenhum outro lugar, aqui vivem cerca de 1,25 bilhão de pessoas, se tirassem 1 bilhão, ainda teria muito mais gente que o Brasil! Além disso, o indiano tem uma maneira própria de pensar e de encarar o mundo, e se eu for traduzir várias dessas atitudes, veria apenas um povo homofóbico e machista, que sufoca as liberdades pessoais, que aprisiona as mulheres numa vida sem escolhas a serviço da família, para citar apenas o exemplo mais chocante. Só que não adianta fazer isso, não tem sentido vir aqui para criticar a maneira como eles vivem, como o grande colonizador branco que menospreza a cultura dos nativos incultos e fica chocado com tudo. A Índia é um país complexo, um lugar único na terra, e já que eu escolhi vir para cá por minha própria iniciativa, fiz a escolha de aproveitar ao máximo os pontos positivos do país.



O principal são as pessoas, sem sombra de dúvida. Em Jind, meus anfitriões e seus amigos foram incríveis, acolhedores, curiosos, prestativos, educados, sempre com um copo de chá com leite para oferecer, mais os biscoitos, o jantar, o chapati, o cachorro, a amizade. Sempre com o celular na mão para uma selfie, oferecendo o melhor lugar da casa para você sentar, mesmo que eles sentem no chão depois. Eles encaram o hóspede como um deus, e fazem disso uma espécie de obrigação. Claro que eu fiquei constrangido diversas vezes, sempre tentando ajudar a pagar alguma coisa, a carregar uma bandeja, lavar a louça, e sou sempre encarado como um doido, um olhar do tipo “o que você pensa que está fazendo?”. Nessa hospitalidade tão acolhedora, sinto uma verdade muito forte, um prazer sincero em me receber, um calor genuíno que é raro hoje em dia.


Para diversos padrões eles são pobres, muito pobres, e mesmo a classe média vive em condições abaixo das quais estamos acostumados. Tudo aqui é muito barato, porém os salários são vergonhosos, e a enorme quantidade de pessoas faz com que o mercado pague mal, principalmente no setor de serviços (o salário médio na Índia não passa dos R$600,00). Essa condição de vida faz com que inexista o sentimento de sociedade, em detrimento de uma sensação de que cada um deve lutar por si mesmo. Dessa forma, as cidades são sujas, mal iluminadas, muito poluídas, e mesmo assim as pessoas não protestam contra o governo, não enxergam o absurdo que é eles não terem a infraestrutura básica para poder crescer. Ao invés disso a maioria das pessoas está mesmo preocupada em conseguir um trabalho e poder comprar comida para sua família.

Os monumentos mais importantes que visitei foram: Taj Mahal, Agra Fort, túmulo de I'tmãd-ud-Daulah (baby Taj) e o túmulo de Hamayun. Todos foram bem interessantes, principalmente pela simetria da formas e pela riqueza de detalhes. Outro dado interessantes é que todos eles foram construídos por muçulmanos, não por hindus, portanto estão recheados de referências árabes e trechos do corão. Os lugares sagrados hindus que visitei, alguns bem antigos, foram construídos de outra forma, sem uma preocupação tão grande com os detalhes arquitetônicos, e geralmente não apresentam um bom grau de conservação, apesar de serem utilizados diariamente.



A religião hindu é outra coisa que impressona o visitante, pois é muito difícil diferenciar tantos deuses e deusas, entender tanta simbologia e mesmo pensar em como funciona esse tipo de religiosidade no dia a dia dos praticantes. Uma das poucas coisas que consegui aprender é que o deus preferido da galera é o Hanumam, o deus macaco, uma das reencarnações de Shiva, ele é pau pra toda obra, guerreiro, estrategista, ajuda todo mundo a conseguir o que quer, e é praticamente uma unanimidade entre os hindus. Existem muitos, mas muitos templos dedicados a ele em todas as cidades que visitei. Outros deuses bem importantes e queridos são Krishna e Rada.



Dentro das coisas que de certa forma chocam na Índia, sem dúvida a comida é das que mais se destacam. Alguns clichês são válidos, como o da pimenta e o da falta de higiene. A comida é sempre apimentada, o omelete é apimentado, o macarrão alho e óleo é apimentado, até o pobre do chá com leite leva um shot de gengibre pra pegar fogo na boca. Eles simplesmente não sabem comer diferente, não tem um outro parâmetro, uma outra culinária do dia a dia que seja não picante. Várias vezes eles oferecem a possibilidade de não ser tão forte a pimenta, daí a boca só pega fogo um pouquinho. Uma boa dica é observar se os indianos estão comendo com gosto, aquela boca cheia e feliz, se for, é apimentado de arder o cu, escolha outro prato!



A higiene também é verdade. Dá nojo, dá asco, dá siricutico. Não adianta chorar, gritar ou reclamar muito, ou se come no McDonald's ou você vai se arriscar, pois mesmo a comida dos restaurantes é preparada, na grande maioria dos casos, em padrões que fariam o tio do churrasquinho da esquina parecer um exemplo de boas práticas de alimentação. Eu segui a regra de observar onde os indianos estavam indo, por mais medo que desse (e dá). No final, em quase um mês na Índia tive apenas um piriri e nada mais, e olha que eu comi e tomei chá em lugares que chocariam a dona do puteiro. Acredito que o fato de eles comerem muito na rua, e dos alimentos serem constantemente preparados e vendidos, faz com que não dê tempo das bactérias do mal atacarem, ou pelo menos prefiro acreditar nisso!

Eu vivi momentos muito lindos na Índia, gostei demais do país apesar de ter me sentido mal com várias coisas por lá, principalmente a poluição, a pobreza e o machismo, mas a Índia para mim é o mais próximo que eu cheguei até hoje de um outro mundo. É outro planeta de tantas e tantas formas, que eu abria meus olhos mais forte para poder enxergar com clareza, para poder fixar aqueles lugares e sensações mágicos pelos quais passei. Eu voltarei com certeza, eu ainda tenho muito o que conhecer por lá!

LM