quinta-feira, 4 de maio de 2017

Uma viagem sem imãs de geladeira

E não é que daqui 10 dias eu completo 10 meses de viagem?

Porra, dez meses inteiros apenas viajando pelo mundo, que incrível!

E é mesmo, disso eu tenho certeza a cada passo do caminho, que tem me feito cruzar países, paisagens, pessoas, e até comigo mesmo. E é diferente sabe, viajar é bom, sair de férias é bom, mas dar a volta ao mundo é outra coisa, é algo diferente de fazer turismo, mesmo visitando tantos lugares turísticos como eu tenho feito.

Muitos viajantes como eu optam por roteiros mais alternativos, explorando rotas e cidades longe da muvuca e da confusão. Por que eu não faço o mesmo? Porque não tinha ideia de como seria isso! Quando eu botei o pé na estrada, não tinha noção de como seriam as coisas, sobre como eu iria me sentir nem nada, afinal não há pontos de referência, não tinha como comparar com outras fases da minha vida. Mas no final eu acho que escolhi o certo para mim, pois eu tenho conhecido lugares que sempre me fascinaram, e só vendo pessoalmente para entender a força do Taj Mahal, da ópera de Sydney, da torre Eiffel, etc. Seria lindo passar uma semana colhendo arroz com os camponeses no Camboja, mas deixar de ver Angkor Wat? Nem pensar!

Estou chegando na reta final da minha viagem agora, faltam cerca de 3 meses e pouco para eu chegar de volta a Botucatu. Sim, Botucatu foi meu ponto de partida, e será meu ponto de chegada, o ponto final da minha viagem de volta ao mundo. Nesses meses vou explorar ainda muita, muita coisa, ainda tenho no roteiro Coréia, EUA e Brasil! Serão ainda muitas paisagens lindas, muitas pessoas incríveis e muitos momentos inesquecíveis.

Só que sem nenhuma lembrancinha para contar história.

Sério, nenhuma, zero, nada, nada mesmo!

Não pensei nisso muito quando comecei a viajar, mas senti que não queria nada de lugar nenhum, nem imã de geladeira, nem chaveiro, nem mesmo aquelas bandeirinhas bregas que o povo costura na mochila. Um dos fatores que me fizeram decidir isso é o fato de viajar com uma mochila pequena. Meu "mochilão" na verdade está mais para uma mochilinha, não cabem mais de 13kg nem a pau, e isso usando muita engenharia e sorte. Só minhas roupas, tênis, meias e cuecas já ocupam isso tudo, e isso mesmo deixando roupas em todo canto do mundo! Só aqui nesse hostel onde estou vou deixar um shorts e uma camiseta, pois cheguei a conclusão de que não preciso mais deles, que estão sobrando, e como eu carrego minha mochila nas costas o tempo todo, tudo que está ali tem que ser útil. 

E qual a utilidade de uma lembrancinha? 

Bom, a função principal é fazer a gente recordar de algo, de uma viagem bacana, de momentos felizes. E isso é ótimo, eu mesmo costumava ter coisas incríveis em casa, não pelo valor, mas pelo significado, e meu lar era mais alegre e feliz por isso. E aí está o ponto, para poder levar lembrancinhas, é preciso ter uma base para onde voltar, e eu não tenho uma base hoje, não tenho lugar algum para voltar, e digo isso sem lamúria ou sentimento ruim, apenas com a certeza de que minha casa é onde durmo hoje, e que depois que terminar minha viagem e voltar a ter um espaço meu, daí sim posso comprar lembrancinhas dos lugares onde eu for.

Mas não agora na volta ao mundo, dessa viagem eu quero levar comigo apenas as experiências, eu quero o sentimento que tenho vivenciado todos esses dias de estar fazendo o que eu escolhi para a minha vida. Quero levar a confiança de que sou o fruto das minhas escolhas. e esse empoderamento é impagável, essa liberdade é algo sem a qual não posso mais viver sem.

O desprendimento que tenho experimentado com essa vida espartana de poucas roupas e quase zero consumo, tem me conscientizado muito sobre o consumir, do excesso de coisas que possuímos, do ciclo de acúmulo de itens inúteis que todos vivemos atualmente. Outro dia fui numa loja enorme para comprar uma blusa, e andei, andei, andei, tinha dinheiro e queria ter uma blusa nova, mas simplesmente não consegui comprar, saí de mãos vazias e um alívio imenso no peito. No final, não preciso de uma blusa, tenho duas e mais uma jaqueta, e estou indo em direção ao verão, então por que eu precisaria de uma blusa nova apenas para parecer mais bonito e usar por poucas semanas? Não tem sentido, e se não tem necessidade, não compro, não importa se é legal, se vale a pena, se no Brasil custa 3 vezes mais, etc, se não é útil, a resposta tem que ser não.

Será que eu vou conseguir levar isso para minha vida pós viagem? Acredito que sim, num grau menor é claro, mas acho que essa consciência da necessidade mudou algo dentro de mim.

LM

terça-feira, 2 de maio de 2017

Turquia - um caso de amor

Mística, longe, exótica, Morena cê tá metida com droga?

A Turquia não era uma das partes fundamentais da minha viagem. Durante as longas e excitantes horas, dias e meses em que essa aventura foi se formando na minha cabeça, eu pensava no mundo e um arrepio gostoso tomava conta do meu corpo, sudeste asiático, leste europeu, caminho de Santiago, vários lugares já estavam decididos desde o começo. Outros lugares estavam mais distantes, ali quietinhos, com um olhar pidão querendo ser visitados, mas eu ficava sempre na dúvida, e a Turquia estava ali entre eles.

Na Europa, todos diziam para eu não ir, que era perigoso, muito próximo da Síria, que o país estava vivendo sob um governo com fortes tendências a islamizar as leis (e está), que não era legal para um gay ir, mas o argumento principal era a falta de segurança. Claro que isso é um ponto importante, afinal, por que escolher voluntariamente correr risco? Mas acontece que o conceito europeu de risco é justamente esse medo tenso e constante de um ataque terrorista, algo que hoje em dia é uma fatalidade que pode ocorrer tanto em Istambul quanto em Paris. Já nosso conceito brasileiro sobre risco é bem mais óbvio, o medo de ser assaltado, de levar um tiro, uma facada, do inesperado que parece que está sempre ali a nossa espreita. E após pesquisar muito, vi que esse tipo de risco não era algo tão pungente na Turquia, e ainda mais com as diversas coisas lindas que comecei a pesquisar que é possível ver por lá, decidi incluir então uma semana em Istambul e uma semana na Capadócia.

PLANEJAMENTO

Planejar uma viagem para a Turquia é extremamente fácil. O país é muito mais moderno do que pensamos, e Istambul é uma metrópole tão ou mais desenvolvida que São Paulo em termos de urbanismo e transporte. Voos, hospedagem, chip para celular, tudo é fácil e menos burocrático do que no Brasil. É fácil encontrar pessoas que falam inglês, ao menos o básico, quando não melhor do que você, em quase todas a lojas e grande parte dos restaurantes.

ISTAMBUL

Pistache, cor, metrô, Ásia, Europa, arroz com feijão, mesquita, torre, subida e bar gay, Istambul é enorme, linda, cheia de todo tipo de gente. O lugar onde você vê duas garotas, uma de véu e a outra com o cabelão ao vento e decote, rindo juntas na rua, onde as mulheres protestam contra leis ridículas do governo fazendo aquele gritinho le re re re re re re re rei que a gente via na novela.

Muita gente fala da fusão de Europa com Ásia, sobre essa mística de estar em dois continentes aos mesmo tempo e tals, e realmente o que acontece em Istambul é algo único, a mistura às vezes confunde, afinal, aqui é ocidente ou oriente médio? É moderno ou conservador? É rico ou pobre? Na real, é tudo isso ao mesmo tempo, e eu acredito que essa vibe seja algo muito próprio de Istambul, não da Turquia como um todo. A cidade foi a capital de vários impérios, limite do cristianismo e importante porto comercial, então guarda muitos palácios, praças, ruas e mesquitas que fazem a gente perder o fôlego, ficar fotografando como um japonês, meio que sem acreditar do que se vê. Além disso, hoje a cidade abriga milhões de refugiados sírios, turcos de todas as partes do país, curdos sempre com seu espírito separatista e mais uma grande comunidade de estrangeiros que visita ou vive na cidade.

Em Istambul existem muitas opções de hostel, e centenas de quartos e apartamentos no
 Airbnb. Basicamente os dois melhores lugares da cidade para se hospedar são nas proximidades da praça Taksim, onde eu fiquei, que por ser o centro da cidade oferece fácil acesso para todos os lugares turísticos e boas opções de transporte público, e a outra é Kadıköy, um distrito da cidade que fica no lado asiático, tipo uma Vila Madalena melhorada e ainda mais descolada.

As mesquitas estão espalhadas por todos os lados. As que eu mais gostei foram a Süleymaniye, que fica perto de um desses bazares cheio de coisas inúteis e doces maravilhosos, deixa eu falar de novo, MARAVILHOSOS! Ao sair da mesquita, descobri algo que me deixou passado, um restaurante especializado em servir... ARROZ COM FEIJÃO! Isso mesmo minha gente, os turcos também são tarados na nossa combinação tão querida, e devo dizer que é uma delícia! O arroz pode vir de todo jeito, mas normalmente é feito refogado no óleo com cebola e alho, e além do arroz eles podem usar também um pouco de macarrão em formato de arroz, mas bem pouquinho, só pra dar um charme. Já o feijão é a estrela do prato, é de uma variedade parecida com o carioquinha, que dá um caldo bem grosso e encorpado, numa cor marrom puxando pro vermelho. Além de cebola e alho nesse lugar me pareceu que eles usavam também pimentão vermelho, e posso dizer que um dos melhores pratos de feijão que comi na vida foi na Turquia!

Sobre os doces, eles são de vários formatos e cores diferentes, mas a combinação básica é sempre uma base, que pode ser feita de macarrão, massa de semolina ou mesmo trigo, e castanhas, amendoim, castanha de caju, amêndoa, avelã ou a estrela da boite, o pistache. Os doces são assados ou fritos e depois cobertos com muito mel ou um xarope de açúcar aromatizado. Temos muito desses doces em São Paulo, onde há uma grande comunidade libanesa e síria, mas os doces da Turquia são incomparavelmente melhores, o balanço entre a crocância da base e a intensidade de sabor da castanha, acentuada pela calda doce, faz você comer se sentindo meio culpado, de tão bom.

Os preços de Istambul são parecidos com os de uma cidade grande brasileira, inclusive na época que eu foi a libra turca estava 1 para 1 com o real, então a comparação era fácil. Por ser uma metrópole, existem opções baratas e caras por todo lado. Fui em diversos restaurantes, e descobri que lá eles tem um conceito parecido com o bar brasileiro, onde se serve comida ao longo do dia todo, e eles chamam esses lugares de Lokantas, que funcionam como um restaurante com comida já pronta, arroz, feijão charutinho, legumes, etc, onde você paga pela porção do que pedir e o cozinheiro monta seu prato. Você come rápido, zero espera, e come muito bem, mil vezes melhor que um hamburguer McDonalds.

Dos restaurantes tradicionais onde fui, daqueles com cardápio, recomendo especialmente dois:

Asitane

Pra chegar aqui você tem que fazer um passeio lindo pelo estreito de Bósforo, põe esse google maps pra funcionar menina!
O restaurante fica lado do Chora Museum, uma antiga igreja bizantina com afrescos bem conservados e bem bonitos, quer dizer, dizem que são bonitos, pois eu fui até lá para ver e fiquei com preguiça de pagar 30 reais para entrar em mais uma igreja. Eu não sabia nada sobre o Asitane, ao sair da igreja e me preparar para voltar para o centro, vi uma casa bonita, uma entradinha toda cheia de plantas e um menu exposto, resolvi olhar. 


O Asitane é especializado em pratos da época do império otomano, e o cardápio explora várias épocas, sendo que quase todos os pratos tem uma pequena explicação histórica, o que por si só já deixa a refeição muito mais interessante. Além disso, a comida é realmente deliciosa, bem preparada e muito bem apresentada, comi entrada, prato e sobremesa e não me arrependi.

Esse prato saiu do menu, então não encontrei a descrição completa. Era uma berinjela assada com várias especiárias e um molho, coberta com um queijo tipo uma ricota defumada, muito bom!


Prato de 1764, carne de cordeiro e vitelo moída, temperada com anis, canela e pistache, envolto em massa phyllo e grelhado na churrasqueira 


Pudim de leite aromatizado com goma de mástique, uma resina muito aromática e utilizada em diversas sobremesas turcas, com frutas e xarope de rosas. Um detalhe, os doces turcos são como os brasileiros no quesito açúcar, glicose alta feelings! 

Kebapçı İskender

Esse restaurante foi um achado! Tinha acabado de voltar para Istambul, para meus últimos dois dias antes de ir para a Índia. Estava em Kadıköy, esperando para encontrar o cara fofo e gostoso que me hospedou, e tava naquela fome de sempre, caminhando e vendo os restaurantes, tentando achar algum lugar que servisse carneiro, uma das minhas carnes favoritas. Passei na frente desse lugar, que é daqueles antigos, com garçom tiozão de uniforme e um clima meio que igual O Gato que Ri (se você for de São Paulo e nunca tiver ido ao Gato, pare de ler agora, vá lá e peça uma pizza Paulista e uma jarra de Sangria!). dei uma olhada no menu e vi que eles serviam tipo um kebab de carneiro. Ah, quanta emoção! Por uns 35 reais chegou na minha mesa uma travessa média com uma carne linda, toda fatiada fininha, e depois para minha surpresa o garçom despejou uma quantidade generosa de manteiga derretida por cima daquela maravilha.



Capadócia

Mano, esse post tá longo hein! Mas a Turquia merece, aliás, é difícil explicar com palavras o quanto eu gostei de lá!

Capadócia é tipo Marte, e faz você pensar: CARALHO! A paisagem de montanhas, planícies, terra vermelha, amarela, sol e céu azul faz a gente se impressionar a cada instante. Detalhes práticos, eu paguei muito barato para passar 6 dias por lá em novembro de 2016. Por pouco mais de mil reais paguei: voo ida e volta desde Istambul, transfer do aeroporto até Goreme, hospedagem com café da manhã, passeio de balão, dois tours de dia inteiro pelas cavernas e montanhas, jantar com danças típicas, passeio de quadriciclo no pôr do sol e mais as minhas despesas com comida. Barato demais? Sim, demais.

Acho que a melhor forma de expressar a Capadócia são as fotos de lá:















A Turquia foi um dos melhores lugares que visitei na vida, espero poder voltar e conhecer ainda mais desse país incrível! 

LM