domingo, 4 de dezembro de 2016

O pós comunismo na Europa do leste.

E então um belo dia, a URSS acabou.



Quando estava no colegial, nossa professora de geografia (querida Marlene, beijo!) nos fazia ler uma espécie de jornal bimestral que sintetizava as principais notícias políticas e sociais internacionais, chamado Boletim Mundo. Era uma leitura muito importante num mundo onde a banda larga era de 1 mega, e que a cabeça de um adolescente de Botucatu não podia facilmente se expandir.




Em 2004, a União Européia recebeu 10 novos países membros, sendo 8 deles antigos estados socialistas. Nessa época, li muito sobre o processo de integração e também sobre a história desse países. A queda do muro de Berlim ganhava mais nuances à medida em que eu descobria o Solidariedade na Polônia, entendia como funcionava a cerca elétrica na Hungria, e como ela foi desligada do dia para a noite, enfim, a história ganhava vida quanto mais eu pesquisava e descobria.

O que realmente me fascinou desde essa época foi entender a queda do comunismo. Num mundo fragmentado, com difícil acesso à informação, e com governos que censuravam a mídia, como tantos países se livraram, praticamente ao mesmo tempo, do jugo da União Soviética? Para mim aquilo era incrível! Alias, ainda hoje é surpreendente!

Quero ver mandar mensagem para o grupo da família num desses!

Quando morei em Bruxelas, não tive a oportunidade de visitar nenhum desses países, mas fiquei com essa curiosidade latente, sabendo que um dia seria satisfeita. E que melhor momento para satisfazer minhas curiosidades do que meu ano sabático, cheio de tempo livre e um pouco de dinheiro no bolso? Por isso incluí no meu roteiro praticamente um mês de passeios por alguns países, Républica Tcheca, Hungria, Romênia e Bulgária, sendo que esse último surgiu só no final, quando me dei conta que 10 dias seria muito tempo em Bucareste. Cada um desses países me ofereceu experiências únicas, fascinantes, muito acima da minhas expectativas. E também cada um deles lidou de uma maneira muito particular com o fim da sua relação com o comunismo e os desafios futuros. 

Praga


Os tchecos lidam com o comunismo no esquema "não vi, não comi, só ouvi falar". Em Praga encontrei apenas uma escultura, muito forte por sinal, em que as vidas destruídas pelo tiranismo do comunismo são homenageadas.

 

Fora isso, nos monumentos históricos são ressaltados principalmente os períodos em que o país foi parte do império Austro-Húngaro e o breve período entre guerras em que o país foi uma república independente. Sem esculturas, sem museus, sem nada que lembre a ligação com a Rússia ou mesmo a famosa primavera de Praga em 1968.

Budapeste

Na Húngria, a história já é diferente. Eles ODEIAM o comunismo, tipo, muito mesmo. Em Budapeste a sede da antiga polícia secreta foi transformada no Museu do Terror, onde são exibidos lado a lado os crimes e barbaridades praticados pelos nazistas e pelos comunistas. É um lugar forte e que abala a gente, mais forte que o Museu Judeu de Berlim inclusive. Nesse edifício, é possível visitar inclusive os porões onde os presos eram interrogados e torturados.





Perturbador

Essa postura de crítica ferrenha é visível em quase todos os monumentos históricos da cidade, o que se encaixa dentro de uma visão que os húngaros tem de si como uma nação quase sempre ocupada e controlada por forças externas, Otomanos, Alemanha, URSS, mas que apesar disso resistiram e venceram. O principal feriado nacional celebra justamente uma revolta de 13 dias ocorrida nos anos 50 contra as diretrizes soviéticas para o governo do país. Essa revolta terminou numa ocupação militar russa que durou muitos e muitos anos, mas hoje é vista como uma prova de coragem da população.

Bucareste

À medida que meu trem ia para o leste, mais eu sentia que estava me aprofundando na influência do comunismo no modo de ser das pessoas, na prestação dos serviços, na maneira que as cidades funcionam. A Romênia me mostrou isso de forma muito clara.

Em primeiro lugar, o comunismo no país tem nome e sobrenome, Nicolae Ceaușescu. Esse cara foi o ditador do país durante décadas, e aprendeu bem com Stalin como promover o culto à sua pessoa como forma de dominação e preservação dos privilégios. O seu legado mais impressionante é o parlamento, o segundo mais edifício administrativo do mundo, que destoa totalmente do resto da cidade. Além disso, quando fui fazer a visita, o edifício estava fedido, muitas partes mal cuidadas, muitos improvisos, mas ainda assim muito, muito impressionante!



A Romênia é um país relativamente grande em comparação com o resto da Europa, com muitos recursos naturais, campos férteis, acesso ao mar, enfim, muitas possibilidades. No entanto, Bucareste foi uma das capitais menos bonitas que conheci nesse passeio, justamente porque o contraste é muito forte, poucos lugares bonitos, principalmente parques, e muitos lugares muito mal cuidados, prédios em mal estado, pintura caindo, e somado a isso uma certa apatia da população, um climão em grande escala que dava para sentir no ar. É como se eles tivessem meio que desistido de alguma coisa, e um bom exemplo é o transporte público, bondes e ônibus que fazem a frota de Botucatu parecer de qualidade! Uma população mais politizada, mas participativa, costuma ter um nível de exigência mais alto em relação aos serviços públicos. Parece que ali eles ainda não entenderam que não precisa (ou não deveria precisar) ter mais medo.




contrastes

Não vi nenhum monumento comunista, tampouco nenhum museu ou exposição que abordasse o tema, mas deu para sentir a energia desse período com em nenhuma das duas primeiras cidades.

Sofia

Para ser sincero, a Bulgária nunca esteve nos meus planos. Em relação às outras cidades em algum momento senti curiosidade ou um interesse especial, porém eu estava sentindo que 10 dias em cada lugar estavam sendo um pouco demais, pois eu ficava entre o meio termo de ser um turista e ser um local, uma espécie de limbo. E como não estava encontrando tantas coisas assim para fazer na Romênia, decidi que iria fechar meu ciclo comunista com a Bulgária.

 E foi a melhor coisa que eu fiz!

Sófia é pequena, bonita e super interessante. Se em tamanho ela fica perto de Piracicaba ou Bauru, em cultura ela se aproxima dos outros lugares visitados principalmente por não ser óbvia. Os visitantes são raros por lá, principalmente na época que eu fui, começo do inverno.

A Bulgária ainda tem traço fortes dos anos comunista, está presente em diversos edifícios públicos, na arquitetura, nas casas, maneira como as pessoas interagem. O país foi um dos que manteve laços mais fortes com a URSS, inclusive eles cogitaram a ideia de se tornar parte do bloco nos anos 70, e hoje, apesar de ser parte da União Europeia, a proximidade física e também cultural, o alfabeto utilizado é o mesmo que a Rússia utiliza, o cirílico, faz com que se encontre uma fusão interessante de dois mundos bem diferentes.

Um dos melhores exemplos é a estação de trens da cidade. É um edifício moderno e bem iluminado, construído com dinheiro europeu, com fachada e interior que lembram uma estação alemã, porém para chegar na estação é preciso atravessar ruas desertas e escuras, literalmente sem nenhum poste, vários cachorros de ruas latindo e uma passagem subterrânea que parece saída de um filme de suspense. 

Porém, mesmo com todos esses contrastes, me senti muito bem por lá, assisti ao balé mais bem executado que vi até hoje, O Lago dos Cisnes, e também a uma versão bem executada de Eugene Ogenin, e além disso foi uma delícia andar pelas ruas e conhecer pessoas legais de lá. Pretendo voltar no futuro.









Nenhum comentário:

Postar um comentário