quarta-feira, 6 de junho de 2018

Voltar a escrever

Por que voltar a escrever?

Há muito tempo não escrevo, e não sei explicar o porquê, mas vou tentar.

A minha viagem de volta ao mundo acabou há algum tempo, já fazem 7 meses que moro aqui na Austrália e a vida acabou entrando na rotina. Coincidência ou não, essa também é a época em que menos fotografei em muito tempo, mesmo antes de ter a câmera, o que me faz perguntar se  a rotina, a pressão do trabalho ou apenas a passividade de vida cotidiana, seriam esses fatores algo como água sobre o fogo para a criatividade, para a inspiração?

A resposta fácil seria dizer que sim, que o dia a dia é chato demais para nos fazer olhar com mais cuidado para uma árvore no outono, quando suas folhas começam a se espalhar pelo chão, ou que a rotina nos faz colocar em segundo plano aquela ideia bacana que queríamos botar em texto. Mas daí seria muito simples, quer dizer que a única forma de olhar a vida por um novo ângulo é quando saímos da realidade que nos cerca? Ora, viajar, explorar e estar fora do que é a vida normal são geralmente momentos de excessão, de escape, mas mesmo que nem todo dia seja uma aventura, sempre há espaço para encaixar um tempo para nós mesmos nesse turbilhão de monotonia que nos cerca.

Por que é isso, escrever, fotografar, se expressar de uma forma ou de outra, são na verdade exercícios de reflexão sobre nós mesmos, sobre o que pensamos, o que sentimos e como vivemos. Por que tiro uma foto do céu, de um carro, de um cachorro? Por que de repente me vem na cabeça um poeminha sobre os tijolos da parede do meu prédio? A síntese da criatividade está nas diferentes percepções de realidade que cada um experimenta à sua maneira. Olhar uma foto, um quadro, ler um texto, é entrar por um momento no mundo do outro, compartilhar por um instante o universo onde normalmente estamos sozinhos. Por vezes, apreciar algo que nós mesmo produzimos é se olhar de fora e, às vezes, descobrir mais de si mesmo nesse processo.

Talvez o que tenha me faltado até agora aqui em Sidnei é justamente esse distanciamento do que estou vivendo e passando por aqui. Viver na Austrália tem sido uma experiência intensa, incrível, um laboratório importantíssimo para me entender, para traçar meus próximos passos na vida. Ao mesmo tempo, me fez experimentar novamente o que era a minha vida em São Paulo, o quanto eu faço concessões para coisas e pessoas que não gosto apenas para continuar vivendo com aparente harmonia, e reconhecer isso me faz imediatamente parar para pensar e deixar de ser (ao menos um pouquinho), tão estúpido.

Por isso volto hoje a escrever, e por isso tenho fotografado novamente. A vida só é chata, a rotina só é entediante, se assim quisermos. Continuo com a plena convicção que somos os únicos responsáveis pela nossa vida, que somos diretamente o fruto de nossas escolhas. E a minha escolha eu já fiz há muito tempo.

Ser livre!

LM 


quinta-feira, 4 de maio de 2017

Uma viagem sem imãs de geladeira

E não é que daqui 10 dias eu completo 10 meses de viagem?

Porra, dez meses inteiros apenas viajando pelo mundo, que incrível!

E é mesmo, disso eu tenho certeza a cada passo do caminho, que tem me feito cruzar países, paisagens, pessoas, e até comigo mesmo. E é diferente sabe, viajar é bom, sair de férias é bom, mas dar a volta ao mundo é outra coisa, é algo diferente de fazer turismo, mesmo visitando tantos lugares turísticos como eu tenho feito.

Muitos viajantes como eu optam por roteiros mais alternativos, explorando rotas e cidades longe da muvuca e da confusão. Por que eu não faço o mesmo? Porque não tinha ideia de como seria isso! Quando eu botei o pé na estrada, não tinha noção de como seriam as coisas, sobre como eu iria me sentir nem nada, afinal não há pontos de referência, não tinha como comparar com outras fases da minha vida. Mas no final eu acho que escolhi o certo para mim, pois eu tenho conhecido lugares que sempre me fascinaram, e só vendo pessoalmente para entender a força do Taj Mahal, da ópera de Sydney, da torre Eiffel, etc. Seria lindo passar uma semana colhendo arroz com os camponeses no Camboja, mas deixar de ver Angkor Wat? Nem pensar!

Estou chegando na reta final da minha viagem agora, faltam cerca de 3 meses e pouco para eu chegar de volta a Botucatu. Sim, Botucatu foi meu ponto de partida, e será meu ponto de chegada, o ponto final da minha viagem de volta ao mundo. Nesses meses vou explorar ainda muita, muita coisa, ainda tenho no roteiro Coréia, EUA e Brasil! Serão ainda muitas paisagens lindas, muitas pessoas incríveis e muitos momentos inesquecíveis.

Só que sem nenhuma lembrancinha para contar história.

Sério, nenhuma, zero, nada, nada mesmo!

Não pensei nisso muito quando comecei a viajar, mas senti que não queria nada de lugar nenhum, nem imã de geladeira, nem chaveiro, nem mesmo aquelas bandeirinhas bregas que o povo costura na mochila. Um dos fatores que me fizeram decidir isso é o fato de viajar com uma mochila pequena. Meu "mochilão" na verdade está mais para uma mochilinha, não cabem mais de 13kg nem a pau, e isso usando muita engenharia e sorte. Só minhas roupas, tênis, meias e cuecas já ocupam isso tudo, e isso mesmo deixando roupas em todo canto do mundo! Só aqui nesse hostel onde estou vou deixar um shorts e uma camiseta, pois cheguei a conclusão de que não preciso mais deles, que estão sobrando, e como eu carrego minha mochila nas costas o tempo todo, tudo que está ali tem que ser útil. 

E qual a utilidade de uma lembrancinha? 

Bom, a função principal é fazer a gente recordar de algo, de uma viagem bacana, de momentos felizes. E isso é ótimo, eu mesmo costumava ter coisas incríveis em casa, não pelo valor, mas pelo significado, e meu lar era mais alegre e feliz por isso. E aí está o ponto, para poder levar lembrancinhas, é preciso ter uma base para onde voltar, e eu não tenho uma base hoje, não tenho lugar algum para voltar, e digo isso sem lamúria ou sentimento ruim, apenas com a certeza de que minha casa é onde durmo hoje, e que depois que terminar minha viagem e voltar a ter um espaço meu, daí sim posso comprar lembrancinhas dos lugares onde eu for.

Mas não agora na volta ao mundo, dessa viagem eu quero levar comigo apenas as experiências, eu quero o sentimento que tenho vivenciado todos esses dias de estar fazendo o que eu escolhi para a minha vida. Quero levar a confiança de que sou o fruto das minhas escolhas. e esse empoderamento é impagável, essa liberdade é algo sem a qual não posso mais viver sem.

O desprendimento que tenho experimentado com essa vida espartana de poucas roupas e quase zero consumo, tem me conscientizado muito sobre o consumir, do excesso de coisas que possuímos, do ciclo de acúmulo de itens inúteis que todos vivemos atualmente. Outro dia fui numa loja enorme para comprar uma blusa, e andei, andei, andei, tinha dinheiro e queria ter uma blusa nova, mas simplesmente não consegui comprar, saí de mãos vazias e um alívio imenso no peito. No final, não preciso de uma blusa, tenho duas e mais uma jaqueta, e estou indo em direção ao verão, então por que eu precisaria de uma blusa nova apenas para parecer mais bonito e usar por poucas semanas? Não tem sentido, e se não tem necessidade, não compro, não importa se é legal, se vale a pena, se no Brasil custa 3 vezes mais, etc, se não é útil, a resposta tem que ser não.

Será que eu vou conseguir levar isso para minha vida pós viagem? Acredito que sim, num grau menor é claro, mas acho que essa consciência da necessidade mudou algo dentro de mim.

LM

terça-feira, 2 de maio de 2017

Turquia - um caso de amor

Mística, longe, exótica, Morena cê tá metida com droga?

A Turquia não era uma das partes fundamentais da minha viagem. Durante as longas e excitantes horas, dias e meses em que essa aventura foi se formando na minha cabeça, eu pensava no mundo e um arrepio gostoso tomava conta do meu corpo, sudeste asiático, leste europeu, caminho de Santiago, vários lugares já estavam decididos desde o começo. Outros lugares estavam mais distantes, ali quietinhos, com um olhar pidão querendo ser visitados, mas eu ficava sempre na dúvida, e a Turquia estava ali entre eles.

Na Europa, todos diziam para eu não ir, que era perigoso, muito próximo da Síria, que o país estava vivendo sob um governo com fortes tendências a islamizar as leis (e está), que não era legal para um gay ir, mas o argumento principal era a falta de segurança. Claro que isso é um ponto importante, afinal, por que escolher voluntariamente correr risco? Mas acontece que o conceito europeu de risco é justamente esse medo tenso e constante de um ataque terrorista, algo que hoje em dia é uma fatalidade que pode ocorrer tanto em Istambul quanto em Paris. Já nosso conceito brasileiro sobre risco é bem mais óbvio, o medo de ser assaltado, de levar um tiro, uma facada, do inesperado que parece que está sempre ali a nossa espreita. E após pesquisar muito, vi que esse tipo de risco não era algo tão pungente na Turquia, e ainda mais com as diversas coisas lindas que comecei a pesquisar que é possível ver por lá, decidi incluir então uma semana em Istambul e uma semana na Capadócia.

PLANEJAMENTO

Planejar uma viagem para a Turquia é extremamente fácil. O país é muito mais moderno do que pensamos, e Istambul é uma metrópole tão ou mais desenvolvida que São Paulo em termos de urbanismo e transporte. Voos, hospedagem, chip para celular, tudo é fácil e menos burocrático do que no Brasil. É fácil encontrar pessoas que falam inglês, ao menos o básico, quando não melhor do que você, em quase todas a lojas e grande parte dos restaurantes.

ISTAMBUL

Pistache, cor, metrô, Ásia, Europa, arroz com feijão, mesquita, torre, subida e bar gay, Istambul é enorme, linda, cheia de todo tipo de gente. O lugar onde você vê duas garotas, uma de véu e a outra com o cabelão ao vento e decote, rindo juntas na rua, onde as mulheres protestam contra leis ridículas do governo fazendo aquele gritinho le re re re re re re re rei que a gente via na novela.

Muita gente fala da fusão de Europa com Ásia, sobre essa mística de estar em dois continentes aos mesmo tempo e tals, e realmente o que acontece em Istambul é algo único, a mistura às vezes confunde, afinal, aqui é ocidente ou oriente médio? É moderno ou conservador? É rico ou pobre? Na real, é tudo isso ao mesmo tempo, e eu acredito que essa vibe seja algo muito próprio de Istambul, não da Turquia como um todo. A cidade foi a capital de vários impérios, limite do cristianismo e importante porto comercial, então guarda muitos palácios, praças, ruas e mesquitas que fazem a gente perder o fôlego, ficar fotografando como um japonês, meio que sem acreditar do que se vê. Além disso, hoje a cidade abriga milhões de refugiados sírios, turcos de todas as partes do país, curdos sempre com seu espírito separatista e mais uma grande comunidade de estrangeiros que visita ou vive na cidade.

Em Istambul existem muitas opções de hostel, e centenas de quartos e apartamentos no
 Airbnb. Basicamente os dois melhores lugares da cidade para se hospedar são nas proximidades da praça Taksim, onde eu fiquei, que por ser o centro da cidade oferece fácil acesso para todos os lugares turísticos e boas opções de transporte público, e a outra é Kadıköy, um distrito da cidade que fica no lado asiático, tipo uma Vila Madalena melhorada e ainda mais descolada.

As mesquitas estão espalhadas por todos os lados. As que eu mais gostei foram a Süleymaniye, que fica perto de um desses bazares cheio de coisas inúteis e doces maravilhosos, deixa eu falar de novo, MARAVILHOSOS! Ao sair da mesquita, descobri algo que me deixou passado, um restaurante especializado em servir... ARROZ COM FEIJÃO! Isso mesmo minha gente, os turcos também são tarados na nossa combinação tão querida, e devo dizer que é uma delícia! O arroz pode vir de todo jeito, mas normalmente é feito refogado no óleo com cebola e alho, e além do arroz eles podem usar também um pouco de macarrão em formato de arroz, mas bem pouquinho, só pra dar um charme. Já o feijão é a estrela do prato, é de uma variedade parecida com o carioquinha, que dá um caldo bem grosso e encorpado, numa cor marrom puxando pro vermelho. Além de cebola e alho nesse lugar me pareceu que eles usavam também pimentão vermelho, e posso dizer que um dos melhores pratos de feijão que comi na vida foi na Turquia!

Sobre os doces, eles são de vários formatos e cores diferentes, mas a combinação básica é sempre uma base, que pode ser feita de macarrão, massa de semolina ou mesmo trigo, e castanhas, amendoim, castanha de caju, amêndoa, avelã ou a estrela da boite, o pistache. Os doces são assados ou fritos e depois cobertos com muito mel ou um xarope de açúcar aromatizado. Temos muito desses doces em São Paulo, onde há uma grande comunidade libanesa e síria, mas os doces da Turquia são incomparavelmente melhores, o balanço entre a crocância da base e a intensidade de sabor da castanha, acentuada pela calda doce, faz você comer se sentindo meio culpado, de tão bom.

Os preços de Istambul são parecidos com os de uma cidade grande brasileira, inclusive na época que eu foi a libra turca estava 1 para 1 com o real, então a comparação era fácil. Por ser uma metrópole, existem opções baratas e caras por todo lado. Fui em diversos restaurantes, e descobri que lá eles tem um conceito parecido com o bar brasileiro, onde se serve comida ao longo do dia todo, e eles chamam esses lugares de Lokantas, que funcionam como um restaurante com comida já pronta, arroz, feijão charutinho, legumes, etc, onde você paga pela porção do que pedir e o cozinheiro monta seu prato. Você come rápido, zero espera, e come muito bem, mil vezes melhor que um hamburguer McDonalds.

Dos restaurantes tradicionais onde fui, daqueles com cardápio, recomendo especialmente dois:

Asitane

Pra chegar aqui você tem que fazer um passeio lindo pelo estreito de Bósforo, põe esse google maps pra funcionar menina!
O restaurante fica lado do Chora Museum, uma antiga igreja bizantina com afrescos bem conservados e bem bonitos, quer dizer, dizem que são bonitos, pois eu fui até lá para ver e fiquei com preguiça de pagar 30 reais para entrar em mais uma igreja. Eu não sabia nada sobre o Asitane, ao sair da igreja e me preparar para voltar para o centro, vi uma casa bonita, uma entradinha toda cheia de plantas e um menu exposto, resolvi olhar. 


O Asitane é especializado em pratos da época do império otomano, e o cardápio explora várias épocas, sendo que quase todos os pratos tem uma pequena explicação histórica, o que por si só já deixa a refeição muito mais interessante. Além disso, a comida é realmente deliciosa, bem preparada e muito bem apresentada, comi entrada, prato e sobremesa e não me arrependi.

Esse prato saiu do menu, então não encontrei a descrição completa. Era uma berinjela assada com várias especiárias e um molho, coberta com um queijo tipo uma ricota defumada, muito bom!


Prato de 1764, carne de cordeiro e vitelo moída, temperada com anis, canela e pistache, envolto em massa phyllo e grelhado na churrasqueira 


Pudim de leite aromatizado com goma de mástique, uma resina muito aromática e utilizada em diversas sobremesas turcas, com frutas e xarope de rosas. Um detalhe, os doces turcos são como os brasileiros no quesito açúcar, glicose alta feelings! 

Kebapçı İskender

Esse restaurante foi um achado! Tinha acabado de voltar para Istambul, para meus últimos dois dias antes de ir para a Índia. Estava em Kadıköy, esperando para encontrar o cara fofo e gostoso que me hospedou, e tava naquela fome de sempre, caminhando e vendo os restaurantes, tentando achar algum lugar que servisse carneiro, uma das minhas carnes favoritas. Passei na frente desse lugar, que é daqueles antigos, com garçom tiozão de uniforme e um clima meio que igual O Gato que Ri (se você for de São Paulo e nunca tiver ido ao Gato, pare de ler agora, vá lá e peça uma pizza Paulista e uma jarra de Sangria!). dei uma olhada no menu e vi que eles serviam tipo um kebab de carneiro. Ah, quanta emoção! Por uns 35 reais chegou na minha mesa uma travessa média com uma carne linda, toda fatiada fininha, e depois para minha surpresa o garçom despejou uma quantidade generosa de manteiga derretida por cima daquela maravilha.



Capadócia

Mano, esse post tá longo hein! Mas a Turquia merece, aliás, é difícil explicar com palavras o quanto eu gostei de lá!

Capadócia é tipo Marte, e faz você pensar: CARALHO! A paisagem de montanhas, planícies, terra vermelha, amarela, sol e céu azul faz a gente se impressionar a cada instante. Detalhes práticos, eu paguei muito barato para passar 6 dias por lá em novembro de 2016. Por pouco mais de mil reais paguei: voo ida e volta desde Istambul, transfer do aeroporto até Goreme, hospedagem com café da manhã, passeio de balão, dois tours de dia inteiro pelas cavernas e montanhas, jantar com danças típicas, passeio de quadriciclo no pôr do sol e mais as minhas despesas com comida. Barato demais? Sim, demais.

Acho que a melhor forma de expressar a Capadócia são as fotos de lá:















A Turquia foi um dos melhores lugares que visitei na vida, espero poder voltar e conhecer ainda mais desse país incrível! 

LM



quinta-feira, 23 de março de 2017

Seria o mundo uma grande prisão?

O mundo é um lugar de liberdade, viagem e curtição ou é apenas uma grande prisão?

Estranho fazer esse tipo de pergunta? Com certeza, pois nesse caso não se trata de uma pergunta retórica, nem um mero jogo de palavras, é algo que por vezes me questiono ao longo desse longo caminho ao redor do mundo.

Penso muito em Botucatu, e na vida que vivi por lá até os 18 anos. Foram anos bem intensos, para dizer o mínimo, mas nada de tão extraordinário. Divórcio dos pais, bulling, ausência de figura paterna, sentimento de estar sozinho no mundo, esse tipo de coisa que muitos vivem na infância, e que talvez os gays passem com mais frequência, ou talvez não, mas o fato é que eu me considerei por muito tempo terrivelmente preso numa vida que me condenava a ser infeliz. 

Uma imagem em especial me vem à cabeça com frequência quando estou em lugares novos e bonitos. Há muitos anos atrás as latas de Nescau começaram a vir com uns adesivos sobre lugares do mundo, ou era apenas da Disney, não lembro direito, mas na minha cama eu colei um desses adesivos que mostrava o castelo da Disney, aquele famosão, que todo mundo tira foto. Obviamente eu já tinha visto o castelo na televisão, e em algumas fitas de desenho, onde  depois dos créditos eles mostravam as novidades dos parques. E eu olhava aquele adesivo por horas, ao mesmo tempo com uma ansiedade e uma tristeza enormes, pois eu acreditava que eu nunca poderia ir lá, que aquele tipo de coisa nunca seria para mim. Essa certeza era tão forte, um sentimento de impotência diante do mundo, que meu coração apertava, vinha uma falta de ar, um ódio que me fazia tremer, e eu lembro do meu corpo tremendo, um arrepio que me fazia querer gritar. Eu tinha entre 8 e 9 anos nessa época.

Eu sinceramente não sei como eu consegui sair disso, mas agradeço a essa raiva que eu tinha na infância por estar onde estou agora, num voo entre Auckland e Hanói. A raiva me fez perceber que a vida devia ser enfrentada de frente. Sentar e chorar, sonhar e deixar pra lá, não são opções se você quiser dar certo, simples assim. Claro que tentei contar com a sorte, lembro de como eu pedia a Deus para ser sorteado no sorteio da viagem da escola de inglês, como eu fantasiava com alguém que me descobriria, veria o quanto tudo era foda, e me tiraria daquela situação. Com o passar dos anos, já adolescente, resolvi começar a arregaçar as mangas e ser eu mesmo meu benfeitor, aos que compraram meus bolos na escola, meu muito obrigado, e talvez tenha sido esse o primeiro passo para as coisas mudarem.

Deixando a história curta, pois não quero me colocar como vítima ou contar uma história de superação, Botucatu era para mim uma prisão, até eu começar a viajar.

Viajar começou sendo para mim não apenas um prazer, mas uma necessidade. Quando eu viajava, me sentia colocando a cabeça para fora d’água e tomando fôlego para poder continuar. Era como sair de mim mesmo, e me fazia, e ainda faz, olhar as coisas com outra perspectiva, um distanciamento saudável da rotina, um olhar sobre meus objetivos e o que eu quero para o futuro.

Para quem eu conto minha trajetória, os lugares que morei, o quanto eu pulo de um lugar para outro, o quanto sou inquieto, sei que parece estranho tanta mudança, mas com certeza isso está ligado ao sentimento de estar vivo de verdade, e também de escapar da sensação de estar preso, que me acompanha desde sempre. 

No entanto, depois desses quase 8 meses de estrada, 14 países, dezenas de horas de voo, tantas e tantas pessoas especiais que apareceram no caminho, estou vendo que talvez tenha mais coisa embaixo desse tapete para pensar. Já escrevi anteriormente sobre o sentimento de solidão, viajar sozinho é estar constantemente acompanhado de si mesmo, não há como escapar, você está em foco o tempo todo, e é muito bizarro, por que não é igual, por exemplo, ser solteiro e morar sozinho, pois mesmo nessa situação existem amigos, familiares, trabalho ou estudo, coisas que te fazem projetar a luz para fora de si. Numa viagem longa como essa não tem isso.

ECA! Esse texto está ficando muito depressivo e triste, parece que eu estou sofrendo nessa viagem, que estou fazendo isso amarrado! Não, não e não! Mas eu quero dizer que a vida é feita de alegria e dor, e elas podem sim acontecer ao mesmo tempo. A Wanessa me mostrou há algum tempo um vídeo desses filósofos da moda, que falava que não devemos negar a dor, que não devemos evitar sofrer, pois é um processo natural do ser humano, uma das ferramentas para se compreender, e não é que é verdade? Pois eu rio e choro ao mesmo tempo sim, nem tudo são flores, e minha vida real não é meu perfil do Instagram, onde só posto a parte bacana. Costumo ter essas discussões comigo mesmo com frequência, a última aconteceu no meio do lago enquanto andava de kayak, botando um dos meu ex como tema, fui fundo na exploração do porquê eu preciso e gosto de namorar.

Um fato curioso é que até agora eu teimei em escrever o que eu sinto. Tirando o diário que fiz durante o Caminho de Santiago e o texto do sexo, acho que fico meio que deixando de lado essa necessidade real de me expressar. Isso mudou quando li um post da Ana Vieira, minha sempre querida professora e amiga, sobre guardar nossos textos, não importa o que pareçam. Pois bem, esse blog é onde quero deixar esses textos, publicar me motiva a escrever, e escrever me faz bem.

Voltando à pergunta inicial, seria o mundo uma grande prisão? Acho que me respondi nas linhas acima. A prisão a que me refiro é esse constante confronto íntimo, esse nó na garganta que se manifesta de tantas formas. Ser livre envolve sofrer, dar a volta ao mundo pode sim ter momentos de tristeza e mesmo de uma agonia que fazem você se sentir um bosta. Não é fácil viver sozinho, eu vivo dizendo que é bom, mas tenho minhas dúvidas. Porém, se tem algo que vale a pena em viajar tanto tempo e só, é parar de se negar, parar de mascarar sua natureza, de se colocar à própria sombra. Se me exponho aqui para qualquer um ler, me exponho a mim mesmo, sem medo de julgamentos, de ser tabulado disso ou daquilo. Esse é quem eu sou, muito prazer.

LM












Hopeless

Acabei de ter uma super crise de choro no banheiro de um shopping aqui em Saigon. 

Visitei o museu da guerra do Vietnã, onde vi dezenas de fotos e relatos mostrando a inconcebível crueldade do ser humano. Depois comecei a andar pela rua e encontrei uma senhora, bem velha, tentando vender chiclete e sendo ignorada por todos que passavam. Eu não costumo dar esmolas, mas não resisti e voltei até ela e dei 2 mil dongs, que é o mesmo que trinta centavos de real. 

Continuei andando e meu peito começou a sufocar, assim do nada, respirei fundo e continuei andando, e as imagens da guerra, das crianças miseráveis que vi na Índia, aquelas que nunca, em toda sua vida, terão oportunidade alguma, daqueles desconhecidos no meio dá África, ignorados pelo mundo, morrendo de fome, de doença, de tiro, de sede. 

Estou dando a volta ao mundo, estou escrevendo isso sentado no ar condicionado de um shopping, tomando um suco que custa o mesmo que uma refeição para um faminto, e sinto que a humanidade é algo sem esperança. 

No banheiro eu chorei por fazer parte dessa desigualdade que não tem tamanho, pela guerra que é sobreviver, pela imensa injustiça que alimentamos todos nós que somos os privilegiados, chorei de ódio pelas marcas, pelo consumismo em troca da fome e da morte, chorei por que não consigui sufocar esse sentimento horrível de ser um criminoso contra meu irmão. O quê eu vou fazer?

LM

quinta-feira, 2 de março de 2017

Ficar doente e usar o seguro na volta ao mundo!

Adoentar é chato, muito chato. É tipo achar uma ervilha no meio do molho de tomate, estraga o rolê. 

Eca!

E o pior é que essa chatice chega sem prévio aviso. Ninguém recebe uma mensagem no zap de Deus dizendo “o queridão, se liga aí que daqui 2 dias vou te derrubar na cama, vlw, flws”. Você está lá, mó bem, fazendo as coisas, visitando a cidade, olhando os museus, paquerando os mocinhos, quando de repente vem aquela dorzinha de cabeça, que começa na nuca e vai abrindo que nem um paraquedas dentro da cabeça. Depois chegam os amiguinhos, a febre, a dor no corpo, a leseira e, no meu caso, a estrela principal da tragédia, a infecção de garganta!

O que é incrível é que num dia eu estava lá,  vestindo meu pijaminha, indo dormir de boa, sem fazer mal a uma mosca, e no dia seguinte acordei encharcado de suor, mal conseguindo me mexer e, ao olhar no espelho e abrir a boca, vi aquele muco branco nojento lá no fundo. Primeiro pensamento do dia: p-u-t-a-q-u-e-p-a-r-i-u.


E daí piora né? Porque isso aconteceu comigo NO DIA DE VIAJAR, então além de todas as dores, tinha que botar a mochila e seguir em frente. Tomei um ibuprofeno na esperança de ser apenas uma inflamação boba, uma inflamação fútil, uma inflamação fugaz (já sabia que não era, mas quem é que morre por último?), e lá fui eu para a Gold Coast.

Antes de continuar narrando a aventura, deixa eu contar um pouco desse lugar que eu fui. A Gold Coast é um conjunto de praias muito lindas, e que também são ideais para a prática do surf. Eu fiquei numa área chamada Surfers Paradise, que desde os anos 60 recebe milhares de turistas ao longo do verão australiano. Além da praias existem também opções de parques aquáticos, passeios de barco para ver a grande barreira de corais da Austrália, e coisas desse tipo. E nesse cenário paradisíaco TINHA EU LÁ, DOENTE, CHEGANDO ME ARRASTANDO QUE NEM UM WALKING DEAD. Sério, eu desci do trem para pegar o busão pra cidade vestido de jeans e blusa, tava fazendo uns 30 e todos graus, e meus amiguinhos de ônibus todos de shorts e regatinha.

Sorriso amarelo só para tirar foto mesmo! 

Depois que eu fiz o check in no hostel, tomei mais um remédio e tirei um cochilo. Dormi meia hora e me senti bem para passear na praia, que era realmente muito bonita. Caminhei, li, até usei o Grindr, mas assim que o sol se pôs, recomeçou minha bateção de queixo de frio. E dali foi escada abaixo meu irmão, minha irmã, não conseguia ter apetite, nem sede, tive uma noite horrorosa de frio e dor até que decidi que aquilo não dava mais e resolvi acionar meu seguro de viagem internacional.

O SEGURO

Meu seguro eu fiz com a Worldnomads, que quase todos os blogs de viagens recomendam, inclusive fazendo uma propaganda e tals, então não sabia se eu confiava muito. Mas ao entrar no site e ver que as coisas eram bem claras, parecendo um serviço bem profissional, resolvi arriscar, e não me arrependi na hora em que precisei usar!

Para começar, é muito importante você ter dois dados à mão: o telefone para o qual você pode ligar a cobrar, que eu salvei até nos meus contatos do celular, e o número da sua apólice, que eu tinha no próprio email de confirmação que eles passaram quando fiz a aquisição. Para ligar para o Brasil a cobrar, uma pesquisa super rápida me levou ao site da Embratel, que fornece um número para cada país. Você liga para o tal número, e ali mesmo pode escolher entre completar a ligação sozinho, discando os números, ou se prefere que um operador faça a ligação por você.

A central de atendimento me atendeu bem rápido, e a menina que resolveu meu problema foi muito paciente e profissional. É preciso responder várias perguntas, inclusive sobre o que você está sentindo, depois disso ela me deu as opções de tentar um atendimento naquela noite, que provavelmente só seria finalizado de madrugada, ou se eu aguentava esperar até uma consulta pela manhã. Também há a opção de você ir por conta própria e depois pedir o reembolso, mas preferi que eles escolhessem a clínica e já pagassem direto pra ela. Optei pela opção da manhã, e ela me informou que durante a manhã alguém me ligaria com todos os dados necessários para o atendimento. No final da ligação, ela me passou o número do protocolo, que eu anotei (anota sempre menina!), e fui dormir.

Na manhã seguinte me ligaram lá pelas 10:30, confirmando meu nome e o que eu queria, e daí falaram que iriam entrar em contato novamente com os dados da clínica ou eu iria. Não demorou nem meia hora mais para eu receber um sms com todos os dados necessários. A clínica ficava a menos de 800 metros da onde eu estava, fiquei feliz por não terem me feito ter que pegar ônibus e tals.

A consulta é igual uma consulta de emergência em hospital particular. O médico viu meus ouvidos, minha garganta, me auscultou pacientemente e depois falou que eu estava realmente com infecção, me passou a receita do remédio e fui embora, sem ter que pagar nenhum centavo para ninguém. Tive que pagar pelo remédio, e há boatos que quanto eu voltar ao Brasil consigo pedir um reembolso, vamos acompanhar.

Meus dois dias em Surfers foram uma bela merda, pois ainda estava muito fraco e com dor para fazer coisas legais, então dormi muito. Ao voltar para Brisbane parei de ter febre e pude aproveitar para passear pelo jardim botânico, nadar um pouco na piscina pública e também ir ao cinema ver o lindo Hidden Figures. Mesmo assim, tudo bem devagar e sem forçar a barra.

Assiste!

Ficar doente faz a solidão querer dar uns gritos dentro da gente, me fez lembrar de quantas vezes já me senti assim frágil e sozinho, e como sempre dá tudo certo no final, e que essas coisas fazem parte da vida mesmo. Claro que estar do outro lado do mundo, completamente só, faz bater um pouco o desespero, mas eu acredito que esse tipo de situação faz a gente tomar consciência da nossa responsabilidade sobre nossa vida, somos nós que temos que tomar as rédeas da situação e resolver nossos próprios problemas, claro que na medida do possível.

Lendo aqui acho que não fui muito objetivo em relação ao seguro. Alguns detalhes práticos, eu gasto cerca de R$1200,00 por semestre, não dá para fazer por mais tempo, ele cobre emergências médicas e também dentista, repatriamento de corpo, que eu pretendo não usar, e também acidentes envolvendo esportes e motos e tals. Tem toda a descrição lá no site. Eu fiquei uns 2 meses sem seguro, durante o tempo que estive na Europa, mas acho que fui besta, é importante sim ter o seguro desde o primeiro dia de viagem, afinal é melhor sempre se prevenir e poder viajar tranquilo!

LM

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Sexo e envolvimento emocional ao redor do mundo

A ideia inicial era bem simples, vou dar a volta ao mundo, conhecer pessoas incríveis, transar com um cara de cada país e ainda por cima fazer muitos amigos ao redor do planeta.


Só que as coisas não acontecem exatamente da forma como imaginamos, principalmente quando não se tem referências sobre esse assunto. Muitas pessoas escrevem blogs e relatos excelentes sobre dar a volta ao mundo, como o 360 meridianos, projeto Viravolta, Votre tour du monde, etc. São todos muito bem escritos, com muitas dicas, fóruns, perguntas e respostas, etc. Mas um tema que todos negligenciam é o sexo. 

Afinal, como lidar com o fato de passar um ano sozinho, longe de todos que você conhece, explorando países e culturas diferentes dos seus e ainda assim conseguir ter uma vida sexual ativa e prazerosa? Pois bem, vou contar a minha experiência até agora!


Primeira coisa, separar sexo e sentimento. Pode parecer frase de manual para ser puta, mas é um ponto muito importante. Eu estou viajando, isso significa que hoje estou aqui, amanhã não estou mais, parti, fui embora, bye bye. Como quase toda pessoa que é linda e simpática (and modesta), sempre gostei de sair, paquerar, conversar pra ver se ele é do time do #foratemer, ver se tem todos os dentes, essas coisas. E quando conheço um cara legal, obviamente eu gosto de repetir a dose, me interesso, e aos poucos vou me envolvendo. 

Isso pode trazer muita angústia na vida de um viajante, e eu mesmo ainda sofro por alguns dos meus ficantes, porque sei que são pessoas que eu gostaria de conhecer mais, de beijar mais, de transar mais e com os quais eu sei que o sexo só iria melhorar, além de poder ter um cara bacana do meu lado. Por isso, ao longo desses meses de viagem, aprendi a aplicar a filosofia do Carpe Diem aos meus encontros, e nesse ponto realmente tento curtir ao máximo cada minuto ao lado do crush, afastando pensamentos negativos e procurando absorver ao máximo daquele momento especial.


Outra coisa que ainda é complicado lidar é o vício dos aplicativos de pegação. Pense bem, estou sozinho no mundo, literalmente! Às vezes, não tenho com quem conversar, não tenho nenhum amigo na cidade onde estou, e isso faz bater uma angústia que nem sempre é fácil de lidar. Não é algo que dê medo, eu sei que é passageiro, sei que a quase qualquer momento posso ligar para a Wanessa ou para a minha mãe, que tenho um bom punhado de amigos que ficaram felizes em falar ou teclar comigo, mas isso não é uma presença real, entende? Não é algo que eu posso ir ali no café da esquina e olhar no olho, e por isso acabo usando demais o Grindr, Tinder e similares. Obviamente queria ser foda o suficiente para ir nos lugares e paquerar olho no olho, mas não sou assim, e também não sou do tipo que pode ficar semanas sem contato com ninguém e estar super bem. Eu gosto de conhecer gente, eu gosto de encontros, eu gosto de conversar, por isso tento encontrar uma solução. Estou aos poucos descobrindo outras ferramentas que não incluam ter que chupar uma rola para poder bater um papo, como os meetings do couchsurfing ou um site chamado meetingup. Ainda não usei de fato nenhum deles, mas já estou pesquisando, pelo menos!

Sobre outras formas de fazer sexo, existem basicamente as saunas e os bares de pegação. Não fui em muitos lugares assim, na real me lembro de 4 vezes durante esses meses todos. Não foram experiências ruins, inclusive em Sydney a sauna Bodyline te oferece café, chá e chocolate quente grátis! Mas acontece que ter prazer é algo muito pessoal, e eu preciso ter algum desejo pelo cara, alguma coisa que me atraia mais do que apenas o corpo. Ter um pau ou uma bunda ali pode ser bem excitante, mas é um gozo rápido, algo como comer uma refeição gostosa, mas sem sal algum. Dessa forma, procuro sempre o encontro clássico, sair para uma cerveja, um café, conversar sobre a vida, gostar do que vejo e ouço, sentir que é recíproco, e daí fazer o que os dois tivermos vontade. Dá muito mais trabalho, eu sei, e me faz transar muito menos do que meus amigos quando viajam, mas fico mais satisfeito.

Como é inevitável conhecer pessoas que marcam a gente, uma das coisas que eu fiz, para mostrar afeição aos caras que se tornaram especiais, foi enviar um cartão postal. É como se aquele pedaço de papel com a minha letra enviasse para eles um pouco de mim. Não é por ser efêmero que algo é ruim, não é por não ter futuro que uns poucos dias curtidos juntos não sejam importantes. Eu aprendi que as pessoas podem sim estar apenas por um breve momento juntas e ainda assim serem inesquecíveis uma para a outra.

E o tesão? E o desejo?

O desejo físico é algo que a gente pensa e repensa mil vezes enquanto viaja. Afinal, o que me atrai? Conhecer tantos países, com diferentes padrões de beleza, me fez pensar fora da caixa, e experimentar sair com caras que no Brasil talvez eu não desse chance. 

mas não esse!

E isso me mostrou que muitos tipos de homem podem ser excitantes, ou talvez seja eu que seja fácil demais, ou os dois!!! Uma coisa que eu posso afirmar é que o mundo é totalmente dominado pelo estereótipo "man acting". Em todos os lugares que passei o ideal dos caras é não parecer gay, seja lá o que isso for. A visão do que é masculino é bom não é apenas ter barba ou ser malhado, mas também não ter nenhum gesto, fala ou atitude que te identifique como homossexual. Ridículo? Claro! Meu cu pra esse povo? Obviamente! 


O fato de ter chegado aos 30 com uma ligeira barriguinha, nutrida com muito restaurante estrelado, comida de rua e cerveja boa, além de ser fã assumido de RuPaul Drag Race e adorar ver um vídeo de travesti fazendo bagunça, ao mesmo tempo que gosto da música dos cinquenta reais, Bruno Mars, Beatles e Tchaikovsky, me fez ser uma exceção ao padrão desejado, portanto não atraio os caras mais gatos do app, aqueles que você dá like no Tinder já sabendo que não vai dar match. Apesar de ficar meio mal por não ser parte do ideal de beleza do mundo ocidental, e todos que não somos ficamos mal por isso em algum momento, tenho aos poucos construído minha identidade como homem de uma maneira bem legal, edificando tijolinho por tijolinho a parede da minha auto estima. E assumir esse perfil, sem fingimentos, sem pretensões irreais, tem feito pessoas maravilhosas se aproximarem de mim.

Ativo, passivo ou X-men?

A grande questão gay desde dos tempos de Platão é: quem vai dar? E por mais louco que pareça, isso muda de país para país! Em quase todas as minhas experiências na Europa não houve nenhum tipo de penetração, e ainda assim foram trepadas maravilhosas. Quem não conhece o poder de um beijo, de uma língua e dos seus dedos não sabe o que está perdendo! Muitos amigos brasileiros nem consideram isso sexo, pois nossa cultura gay está muito ligada à penetração, aos papeis de macho e fêmea, à submissão. Alguém tem que comer o outro para considerarmos sexo. Existe até mesmo a ideia de que não há prazer sem isso, o que está bem na contramão do que eu vi e senti. Uma das minhas melhores, senão a melhor experiência sexual até agora foi com duas pessoas ao mesmo tempo, durou ao menos umas 3 horas, e não houve nenhum tipo de penetração. Como dizer que isso não foi sexo?


Na Turquia e na Índia também há essa ideia do "homem" e do "viado". Nos perfis dos aplicativos,e mesmo nas roupas e comportamento nas festas, quase sempre está bem explicito do que você gosta, e no caso dos apps as fotos e descrições mostram os extremos da imagem de macho e bichinha, sendo que mesmo antes de perguntar o clássico howareyouImfineandyou a galera já diz se é top ou bottom only. 

Claro que há exceções. Na Turquia mesmo minha única experiência de sexo foi deliciosa e totalmente desligada dos clichês. Na Índia foi mais difícil, e não tive nenhum sexo com indiano que tenha valido realmente a pena, não sei explicar o porquê, mas acho que lá eles são mais reprimidos, menos experientes e tem mais medo em serem descobertos. Não só no sexo, mas na forma de se alimentar, na relação com o álcool ou mesmo nas relações familiares, o indiano parece sempre estar se contendo, tendo medo de se expor totalmente.

Agora aqui na Austrália é uma festa, tem de tudo, para todos os gostos! Desde que saí do Brasil, é aqui onde fiz mais sexo com qualidade, talvez por isso é o lugar em que eu tenha ficado mais tempo, lá se vão quase 2 meses na terra do canguru. Eu gosto da liberdade que se tem por aqui, e isso vale para quem tem origem asiática, europeu, americano ou aussie. Em geral os caras são bem desencanados e querem mesmo é ter e dar prazer para o outro. Não que aqui também não tenha espaço para os man acting top only can't host, mas é mais variado, mais diversificado, mais livre mesmo. Uma das poucas coisas difíceis por aqui é que o padrão de beleza é igual ao do Rio de Janeiro, cara malhado, moreno de sol, fortão e tals. E eles são lindos, muito lindos mesmo, mas são que nem os animais do campo, só se reproduzem entre si. 

5 contra 1

O papel da boa e velha punheta não poderia passar em branco! Desde as punhetinhas no chuveiro, meio escondido, durante o caminho de Santiago, até aquelas que demoram, que a gente vai curtindo ao ver um filme ou lembrar de um momento bom, saber se dar prazer é algo muito importante para poder ficar de boa quando não há oportunidade, ou mesmo vontade, de encontrar alguém. Tem dias que um pouco de privacidade, um bom jantar, aquele momento relax após uma série da Netflix, tudo isso pode criar o ambiente ideal para se satisfazer sozinho. E não é feio não, não é incorreto, baixo, sujo, solitário nem nada dessas bobagens. Eu adoro bater minha punheta em paz, descobrindo meu corpo devagar, ou gozando rápido quando o tesão vem forte, tanto faz, gozar sozinho é liberdade, e para mim é uma forma de sexo igual todas as outras. Muitas vezes vem aquele cara todo errado dando em cima de você, daquele tipo que você sabe que não vai valer a pena nem o dinheiro do transporte para chegar até ele, então para que perder tempo dando moral pra gente tosca? Abaixe essa cueca ou essa calcinha e se liberte! Afinal, como já cantava a Eliana: todos os dedos, todos os dedos, onde estão? AQUI ESTÃO!


Nunca viajei tanto tempo sozinho na minha vida, e nem tenho como saber por quanto tempo irei continuar na estrada, mas eu gostaria de terminar a minha viagem tendo aprendido a estar bem comigo mesmo, a ser de certa forma auto suficiente, de não buscar no outro as motivações e vontades que devem partir de mim. Um dos meus objetivos desde que comecei a volta ao mundo é me sentir mais pleno, mais íntegro, mais confiante. O sexo é parte importante dessa viagem de auto conhecimento, é uma das formas mais interessantes de auto observação, inclusive quando usado como ferramenta para espantar a solidão. Esse aprendizado, acredito eu, será fundamental para o meu futuro. E que venha muito sexo (seguro, sempre) pela frente!

LM