quinta-feira, 23 de março de 2017

Seria o mundo uma grande prisão?

O mundo é um lugar de liberdade, viagem e curtição ou é apenas uma grande prisão?

Estranho fazer esse tipo de pergunta? Com certeza, pois nesse caso não se trata de uma pergunta retórica, nem um mero jogo de palavras, é algo que por vezes me questiono ao longo desse longo caminho ao redor do mundo.

Penso muito em Botucatu, e na vida que vivi por lá até os 18 anos. Foram anos bem intensos, para dizer o mínimo, mas nada de tão extraordinário. Divórcio dos pais, bulling, ausência de figura paterna, sentimento de estar sozinho no mundo, esse tipo de coisa que muitos vivem na infância, e que talvez os gays passem com mais frequência, ou talvez não, mas o fato é que eu me considerei por muito tempo terrivelmente preso numa vida que me condenava a ser infeliz. 

Uma imagem em especial me vem à cabeça com frequência quando estou em lugares novos e bonitos. Há muitos anos atrás as latas de Nescau começaram a vir com uns adesivos sobre lugares do mundo, ou era apenas da Disney, não lembro direito, mas na minha cama eu colei um desses adesivos que mostrava o castelo da Disney, aquele famosão, que todo mundo tira foto. Obviamente eu já tinha visto o castelo na televisão, e em algumas fitas de desenho, onde  depois dos créditos eles mostravam as novidades dos parques. E eu olhava aquele adesivo por horas, ao mesmo tempo com uma ansiedade e uma tristeza enormes, pois eu acreditava que eu nunca poderia ir lá, que aquele tipo de coisa nunca seria para mim. Essa certeza era tão forte, um sentimento de impotência diante do mundo, que meu coração apertava, vinha uma falta de ar, um ódio que me fazia tremer, e eu lembro do meu corpo tremendo, um arrepio que me fazia querer gritar. Eu tinha entre 8 e 9 anos nessa época.

Eu sinceramente não sei como eu consegui sair disso, mas agradeço a essa raiva que eu tinha na infância por estar onde estou agora, num voo entre Auckland e Hanói. A raiva me fez perceber que a vida devia ser enfrentada de frente. Sentar e chorar, sonhar e deixar pra lá, não são opções se você quiser dar certo, simples assim. Claro que tentei contar com a sorte, lembro de como eu pedia a Deus para ser sorteado no sorteio da viagem da escola de inglês, como eu fantasiava com alguém que me descobriria, veria o quanto tudo era foda, e me tiraria daquela situação. Com o passar dos anos, já adolescente, resolvi começar a arregaçar as mangas e ser eu mesmo meu benfeitor, aos que compraram meus bolos na escola, meu muito obrigado, e talvez tenha sido esse o primeiro passo para as coisas mudarem.

Deixando a história curta, pois não quero me colocar como vítima ou contar uma história de superação, Botucatu era para mim uma prisão, até eu começar a viajar.

Viajar começou sendo para mim não apenas um prazer, mas uma necessidade. Quando eu viajava, me sentia colocando a cabeça para fora d’água e tomando fôlego para poder continuar. Era como sair de mim mesmo, e me fazia, e ainda faz, olhar as coisas com outra perspectiva, um distanciamento saudável da rotina, um olhar sobre meus objetivos e o que eu quero para o futuro.

Para quem eu conto minha trajetória, os lugares que morei, o quanto eu pulo de um lugar para outro, o quanto sou inquieto, sei que parece estranho tanta mudança, mas com certeza isso está ligado ao sentimento de estar vivo de verdade, e também de escapar da sensação de estar preso, que me acompanha desde sempre. 

No entanto, depois desses quase 8 meses de estrada, 14 países, dezenas de horas de voo, tantas e tantas pessoas especiais que apareceram no caminho, estou vendo que talvez tenha mais coisa embaixo desse tapete para pensar. Já escrevi anteriormente sobre o sentimento de solidão, viajar sozinho é estar constantemente acompanhado de si mesmo, não há como escapar, você está em foco o tempo todo, e é muito bizarro, por que não é igual, por exemplo, ser solteiro e morar sozinho, pois mesmo nessa situação existem amigos, familiares, trabalho ou estudo, coisas que te fazem projetar a luz para fora de si. Numa viagem longa como essa não tem isso.

ECA! Esse texto está ficando muito depressivo e triste, parece que eu estou sofrendo nessa viagem, que estou fazendo isso amarrado! Não, não e não! Mas eu quero dizer que a vida é feita de alegria e dor, e elas podem sim acontecer ao mesmo tempo. A Wanessa me mostrou há algum tempo um vídeo desses filósofos da moda, que falava que não devemos negar a dor, que não devemos evitar sofrer, pois é um processo natural do ser humano, uma das ferramentas para se compreender, e não é que é verdade? Pois eu rio e choro ao mesmo tempo sim, nem tudo são flores, e minha vida real não é meu perfil do Instagram, onde só posto a parte bacana. Costumo ter essas discussões comigo mesmo com frequência, a última aconteceu no meio do lago enquanto andava de kayak, botando um dos meu ex como tema, fui fundo na exploração do porquê eu preciso e gosto de namorar.

Um fato curioso é que até agora eu teimei em escrever o que eu sinto. Tirando o diário que fiz durante o Caminho de Santiago e o texto do sexo, acho que fico meio que deixando de lado essa necessidade real de me expressar. Isso mudou quando li um post da Ana Vieira, minha sempre querida professora e amiga, sobre guardar nossos textos, não importa o que pareçam. Pois bem, esse blog é onde quero deixar esses textos, publicar me motiva a escrever, e escrever me faz bem.

Voltando à pergunta inicial, seria o mundo uma grande prisão? Acho que me respondi nas linhas acima. A prisão a que me refiro é esse constante confronto íntimo, esse nó na garganta que se manifesta de tantas formas. Ser livre envolve sofrer, dar a volta ao mundo pode sim ter momentos de tristeza e mesmo de uma agonia que fazem você se sentir um bosta. Não é fácil viver sozinho, eu vivo dizendo que é bom, mas tenho minhas dúvidas. Porém, se tem algo que vale a pena em viajar tanto tempo e só, é parar de se negar, parar de mascarar sua natureza, de se colocar à própria sombra. Se me exponho aqui para qualquer um ler, me exponho a mim mesmo, sem medo de julgamentos, de ser tabulado disso ou daquilo. Esse é quem eu sou, muito prazer.

LM












Hopeless

Acabei de ter uma super crise de choro no banheiro de um shopping aqui em Saigon. 

Visitei o museu da guerra do Vietnã, onde vi dezenas de fotos e relatos mostrando a inconcebível crueldade do ser humano. Depois comecei a andar pela rua e encontrei uma senhora, bem velha, tentando vender chiclete e sendo ignorada por todos que passavam. Eu não costumo dar esmolas, mas não resisti e voltei até ela e dei 2 mil dongs, que é o mesmo que trinta centavos de real. 

Continuei andando e meu peito começou a sufocar, assim do nada, respirei fundo e continuei andando, e as imagens da guerra, das crianças miseráveis que vi na Índia, aquelas que nunca, em toda sua vida, terão oportunidade alguma, daqueles desconhecidos no meio dá África, ignorados pelo mundo, morrendo de fome, de doença, de tiro, de sede. 

Estou dando a volta ao mundo, estou escrevendo isso sentado no ar condicionado de um shopping, tomando um suco que custa o mesmo que uma refeição para um faminto, e sinto que a humanidade é algo sem esperança. 

No banheiro eu chorei por fazer parte dessa desigualdade que não tem tamanho, pela guerra que é sobreviver, pela imensa injustiça que alimentamos todos nós que somos os privilegiados, chorei de ódio pelas marcas, pelo consumismo em troca da fome e da morte, chorei por que não consigui sufocar esse sentimento horrível de ser um criminoso contra meu irmão. O quê eu vou fazer?

LM

quinta-feira, 2 de março de 2017

Ficar doente e usar o seguro na volta ao mundo!

Adoentar é chato, muito chato. É tipo achar uma ervilha no meio do molho de tomate, estraga o rolê. 

Eca!

E o pior é que essa chatice chega sem prévio aviso. Ninguém recebe uma mensagem no zap de Deus dizendo “o queridão, se liga aí que daqui 2 dias vou te derrubar na cama, vlw, flws”. Você está lá, mó bem, fazendo as coisas, visitando a cidade, olhando os museus, paquerando os mocinhos, quando de repente vem aquela dorzinha de cabeça, que começa na nuca e vai abrindo que nem um paraquedas dentro da cabeça. Depois chegam os amiguinhos, a febre, a dor no corpo, a leseira e, no meu caso, a estrela principal da tragédia, a infecção de garganta!

O que é incrível é que num dia eu estava lá,  vestindo meu pijaminha, indo dormir de boa, sem fazer mal a uma mosca, e no dia seguinte acordei encharcado de suor, mal conseguindo me mexer e, ao olhar no espelho e abrir a boca, vi aquele muco branco nojento lá no fundo. Primeiro pensamento do dia: p-u-t-a-q-u-e-p-a-r-i-u.


E daí piora né? Porque isso aconteceu comigo NO DIA DE VIAJAR, então além de todas as dores, tinha que botar a mochila e seguir em frente. Tomei um ibuprofeno na esperança de ser apenas uma inflamação boba, uma inflamação fútil, uma inflamação fugaz (já sabia que não era, mas quem é que morre por último?), e lá fui eu para a Gold Coast.

Antes de continuar narrando a aventura, deixa eu contar um pouco desse lugar que eu fui. A Gold Coast é um conjunto de praias muito lindas, e que também são ideais para a prática do surf. Eu fiquei numa área chamada Surfers Paradise, que desde os anos 60 recebe milhares de turistas ao longo do verão australiano. Além da praias existem também opções de parques aquáticos, passeios de barco para ver a grande barreira de corais da Austrália, e coisas desse tipo. E nesse cenário paradisíaco TINHA EU LÁ, DOENTE, CHEGANDO ME ARRASTANDO QUE NEM UM WALKING DEAD. Sério, eu desci do trem para pegar o busão pra cidade vestido de jeans e blusa, tava fazendo uns 30 e todos graus, e meus amiguinhos de ônibus todos de shorts e regatinha.

Sorriso amarelo só para tirar foto mesmo! 

Depois que eu fiz o check in no hostel, tomei mais um remédio e tirei um cochilo. Dormi meia hora e me senti bem para passear na praia, que era realmente muito bonita. Caminhei, li, até usei o Grindr, mas assim que o sol se pôs, recomeçou minha bateção de queixo de frio. E dali foi escada abaixo meu irmão, minha irmã, não conseguia ter apetite, nem sede, tive uma noite horrorosa de frio e dor até que decidi que aquilo não dava mais e resolvi acionar meu seguro de viagem internacional.

O SEGURO

Meu seguro eu fiz com a Worldnomads, que quase todos os blogs de viagens recomendam, inclusive fazendo uma propaganda e tals, então não sabia se eu confiava muito. Mas ao entrar no site e ver que as coisas eram bem claras, parecendo um serviço bem profissional, resolvi arriscar, e não me arrependi na hora em que precisei usar!

Para começar, é muito importante você ter dois dados à mão: o telefone para o qual você pode ligar a cobrar, que eu salvei até nos meus contatos do celular, e o número da sua apólice, que eu tinha no próprio email de confirmação que eles passaram quando fiz a aquisição. Para ligar para o Brasil a cobrar, uma pesquisa super rápida me levou ao site da Embratel, que fornece um número para cada país. Você liga para o tal número, e ali mesmo pode escolher entre completar a ligação sozinho, discando os números, ou se prefere que um operador faça a ligação por você.

A central de atendimento me atendeu bem rápido, e a menina que resolveu meu problema foi muito paciente e profissional. É preciso responder várias perguntas, inclusive sobre o que você está sentindo, depois disso ela me deu as opções de tentar um atendimento naquela noite, que provavelmente só seria finalizado de madrugada, ou se eu aguentava esperar até uma consulta pela manhã. Também há a opção de você ir por conta própria e depois pedir o reembolso, mas preferi que eles escolhessem a clínica e já pagassem direto pra ela. Optei pela opção da manhã, e ela me informou que durante a manhã alguém me ligaria com todos os dados necessários para o atendimento. No final da ligação, ela me passou o número do protocolo, que eu anotei (anota sempre menina!), e fui dormir.

Na manhã seguinte me ligaram lá pelas 10:30, confirmando meu nome e o que eu queria, e daí falaram que iriam entrar em contato novamente com os dados da clínica ou eu iria. Não demorou nem meia hora mais para eu receber um sms com todos os dados necessários. A clínica ficava a menos de 800 metros da onde eu estava, fiquei feliz por não terem me feito ter que pegar ônibus e tals.

A consulta é igual uma consulta de emergência em hospital particular. O médico viu meus ouvidos, minha garganta, me auscultou pacientemente e depois falou que eu estava realmente com infecção, me passou a receita do remédio e fui embora, sem ter que pagar nenhum centavo para ninguém. Tive que pagar pelo remédio, e há boatos que quanto eu voltar ao Brasil consigo pedir um reembolso, vamos acompanhar.

Meus dois dias em Surfers foram uma bela merda, pois ainda estava muito fraco e com dor para fazer coisas legais, então dormi muito. Ao voltar para Brisbane parei de ter febre e pude aproveitar para passear pelo jardim botânico, nadar um pouco na piscina pública e também ir ao cinema ver o lindo Hidden Figures. Mesmo assim, tudo bem devagar e sem forçar a barra.

Assiste!

Ficar doente faz a solidão querer dar uns gritos dentro da gente, me fez lembrar de quantas vezes já me senti assim frágil e sozinho, e como sempre dá tudo certo no final, e que essas coisas fazem parte da vida mesmo. Claro que estar do outro lado do mundo, completamente só, faz bater um pouco o desespero, mas eu acredito que esse tipo de situação faz a gente tomar consciência da nossa responsabilidade sobre nossa vida, somos nós que temos que tomar as rédeas da situação e resolver nossos próprios problemas, claro que na medida do possível.

Lendo aqui acho que não fui muito objetivo em relação ao seguro. Alguns detalhes práticos, eu gasto cerca de R$1200,00 por semestre, não dá para fazer por mais tempo, ele cobre emergências médicas e também dentista, repatriamento de corpo, que eu pretendo não usar, e também acidentes envolvendo esportes e motos e tals. Tem toda a descrição lá no site. Eu fiquei uns 2 meses sem seguro, durante o tempo que estive na Europa, mas acho que fui besta, é importante sim ter o seguro desde o primeiro dia de viagem, afinal é melhor sempre se prevenir e poder viajar tranquilo!

LM