segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Como fazer turismo lentamente!

Um dos maiores problemas de uma viagem de volta ao mundo é... tempo!

Só que é um problema ao contrário do qual estamos acostumados, pois a questão não é a falta, mas o excesso de tempo que temos numa viagem de longo prazo. Normalmente ao viajar, eu costumava sempre deixar os roteiros bem organizados e planejados, a Wanessa que o diga, como viajamos bastante juntos ela me conhece e sabe que eu adoro ter uma programação pronta ao chegar em algum lugar. Muitas pessoas são assim também, e mesmo as que não planejam muito, geralmente acordam cedo e vão logo para a rua para explorar um novo lugar.

Isso acontece porque geralmente o tempo é curto, 4 dias? Uma semana? Quinze dias? 2, 3 ou 4 cidades? Tudo precisa ser visto, sentido e aproveitado, afinal é férias, é hora de sair da realidade e aproveitar ao máximo! É comum no final das férias a gente voltar para casa tão cansado ou mais de quando saiu, precisando de férias das férias. Quando eu voltei da Tailândia, cheguei as 7 da manhã, após 24 horas de voo para chegar em São Paulo, tomei um banho, trabalhei na Caixa até o final do dia e depois fui para a São Camilo dar aula, voltando para casa as 11 da noite! Loucura, não é? Mas afinal, férias são para serem aproveitadas!

E aí entra a diferença, viagem de volta ao mundo não é férias, não é algo no qual você possa se esgotar e depois voltar para a rotina. A rotina é a própria viagem, o trabalho é justamente planejar o próximo passo, os próximos voos, o passeio de balão na Capadócia, os ingressos para a ópera em Sydney, o voluntariado em Hanoi (todos casos reais, aliás). Durante as primeiras semanas dessa etapa leste europeu foi que essa necessidade de estabelecer uma rotina, e não ficar correndo para conhecer tudo, ficou mais clara para mim. As etapas anteriores tinham uma dinâmica própria, a fazenda na Sicília tinha as horas de trabalho e descanso, o Caminho de Santiago tinha o propósito diário de chegar até a próxima cidade, e a rotina de comer, lavar roupa, cuidar dos pés. Depois as duas semanas com a minha mãe foram de turismo tradicional, passeios, museus, andar, andar, andar, descansar, descansar, descansar, nem dá tempo para pensar muito!

Aqui não, sou só eu e eu mesmo. Não tem nada de específico para fazer, e como eu separei 10 dias para conhecer Praga, e mais 11 dias para Budapeste, finalmente pude entrar em contato comigo mesmo e pensar melhor no que estou fazendo.

Ao longo dos dias entendi melhor o que fazer para não ficar com aquela sensação incômoda de que eu deveria estar aproveitando mais, ou descansando mais. Durante a manhã eu tomo um longo café da manhã, o que estou fazendo agora, por exemplo. Assim eu vejo meus emails, pesquiso sobre os próximos passos da minha viagem, agora estou planejando Bucareste e Sófia, procuro anfitriões no couch surfing ou pesquiso airbnb e hostel, vejo a programação de concertos, teatros ou ópera nas cidades, penso também nas etapas mais para frente, até agora tenho planejado até o final de janeiro, quando estarei na Austrália, e depois disso é que eu me troco e vou para a rua.

Geralmente eu separo uma, no máximo duas, atrações turísticas por dia. Hoje por exemplo meu objetivo é ir para um parque onde os húngaros colocaram várias das estatuas e monumentos da era socialista, uma espécie de memorial desse tempo.Depois disso, é hora de comer, tomar café, ler um livro e não pensar mais em turismo ou viagens, porque cansa ficar com isso 24 horas na cabeça. É preciso separar um tempo para a vida normal, descansar, ler, ver séries, etc. 

Como não sou a pessoa mais aberta a socializar, como já escrevi várias vezes, conto um pouco com a sorte para fazer amigos, ou mesmo uns casos, enquanto eu viajo. Aqui em Budapeste, por exemplo, conheci um norueguês de origem somali, e estamos nos vendo quase todos os dias, em Praga fiquei com um ucraniano e foi super legal. Foi sorte conhece-los, principalmente porque são pessoas que gostam de conversar, sair, beber. Uma coisa que já tenho mais firme aqui é que não vale mais a pena sair só para ficar e pronto, faço melhor uso da minha mão se for o caso.

Viajar a longo prazo é uma arte, e como tem gente fazendo isso! Conheci um dinamarquês que aluga o apartamento em Copenhague pelo airbnb e fica viajando pelo mundo com essa grana. Ele curte música clássica, ópera, etc, e fica passeando pelo mundo para ver essas coisas. Incrível, não é?

LM 

domingo, 30 de outubro de 2016

E as coisas vão melhorando!

O processo de entendimento sobre mim mesmo finalmente vem dando uns frutos mais saborosos esses dias.

Aquela máxima que diz que o primeiro passo para entender um problema é admiti-lo é realmente uma verdade. O "problema", que na verdade nada mais é do que uma característica minha, é que eu sou um ser social, preciso de plateia, preciso de outros atores no palco comigo, preciso me comunicar. Parece óbvio, parece que todos somos assim, mas não é tão simples, uma coisa é gostar de companhia, outra é NECESSITAR dela para estar bem.

O que acontece é que por muitos e muitos e muitos anos estive rodeado de pessoas, amigos, família e namorados. Sempre tive com quem falar, a quem recorrer, e nos raros momentos em que isso me faltava, me sentia extremamente desamparado, vazio, aflito mesmo. E era justamente essa sensação de levar um soco na boca do estômago que eu vinha passando todos esses dias.

Admitir a própria natureza é um processo que talvez não termine nessa vida para mim, somos todos complexos, e acredito que esse processo de auto conhecimento não precise terminar mesmo, é sempre interessante o quanto podemos descobrir e aprender mais e mais.

Uma vez admitido e melhor entendido o que estava ocorrendo comigo, a sensação de insatisfação começou a diminuir, dando espaço a coisas boas ocorrerem, como por exemplo pensar em começar algum curso online de forma mais séria. Ainda não sei qual, ainda não tenho ideia do que quero estudar, mas o primeiro passo foi dado. Em relação à comunicação, acredito que eu vá usar mais esse blog, escrever mais, começar a alimentar mais minha página do facebook também, apesar de eu estar decidido a continuar limitando meu acesso à minha página pessoal a apenas 2 vezes por semana, posso entrar e alimentar a Volta ao Mundo e sair.

Outra coisa, vou divulgar este blog para meus amigos e oferecer minha ajuda para organizar viagens, sem muita pretensão, mas é algo que eu quero fazer.

Tenho assistido muitos concertos aqui em Budapeste, e isso tem alimentado minha alma. Como eu gosto! Quero estudar mais sobre ópera, como eles cantam, porque um é melhor que o outro, quero saber mais desse mundo que me emociona e me faz chorar cada vez com mais frequência!

Decidi incluir Sofia no meu roteiro, e estou tentando encontrar um couch surfer lá, mas não está sendo fácil, os caras não tem capacidade nem para me responder que não! No final posso ir para o bom e velho hostel, e estou bem animado em ir para lá, já que eles preservam muito da cultura, arte e arquitetura comunista, é como uma viagem aos livros de história que eu tanto gosto! Me lembro da Marinês lá da industrial e de como eu gostaria de conversar com ela sobre esses lugares todos que estou visitando. Cada país aqui do leste tem sua própria história de conquista, independência, guerra, orgulho, libertação, heróis nacionais, e tudo isso em línguas diferentes! É uma aula a céu aberto, mas tem que abrir muito os olhos para enxergar!


















sexta-feira, 21 de outubro de 2016

O que é ser útil?

Sim, ainda estou na crise do que fazer além de turismo durante a viagem.

É muito linda a ideia de fazer uma volta ao mundo sozinho, para se conhecer, entender seus desejos e angústias, enfrentar seus demônios e no final se tornar uma pessoa melhor. Mas como é que isso acontece na prática?

Bom, varia, depende muito da sua personalidade, da forma como você busca se socializar e como você encara a solidão. Se você fala alguma língua além do português, já ajuda, é mais fácil entender, dá para interagir e conhecer diversas pessoas.

Errado.

Não é assim que se passa mesmo. Na vida de um viajante de longo prazo, as datas, as pessoas e os lugares ficam um pouco confusos. É realmente um exercício de sair da casinha, pois é uma situação nova, afinal, você não é um turista tradicional, e tampouco é alguém que mora ali. Esses 10 dias aqui em Praga me mostraram que eu agora sou meio que um hibrido entre nada e coisa alguma, exaspera um pouco porque tudo é diferente, a maneira de planejar os passeios, o tempo que você passa em cada atração turística, as horas e horas de pesquisa para descobrir coisas além do basicão, lugares e atrações que normalmente você descobre com calma e aos poucos ao se mudar para um novo lugar, mas que eu só tenho uns dias para achar.

E tem a questão das pessoas também. Eu, por exemplo, não sou muito de conversar com estranhos sem uma apresentação formal, então eu recorro aos bons e velhos aplicativos de pegação. Só que o problema é que eu não quero sexo (o tempo todo), quero alguém legal para sair, conversar, conhecer. O app que está dando os melhores resultados por enquanto é o Tinder, já que os caras lá são mais abertos a encontros e conversas do que ir direto ao ponto. Só que também tem um problema nisso, afinal, quem vai para um encontro assim normalmente quer sair mais de uma vez, conhecer melhor, aquela coorte toda com um namoro no final da linha. E, repito, eu não vou estar aqui por mais de duas semanas, então como encarar.

Por que afinal, e as minhas emoções e sentimentos, como eu trabalhar com isso conhecendo um príncipe encantado a cada dois, três dias?

Apesar dessa lamuriação, acho que tudo é uma questão de tempo. Mesmo um viajante pode estabelecer certas rotinas e rituais que deem mais força à sensação de normalidade que, pelo menos para mim, é necessária.

Já estou pensando em Budapeste, e tentando entender o que posso fazer diferente. Por exemplo, tirar um dia para ficar em casa a cada 5 dias mais ou menos, um day off para lavar roupa e ficar de boa, sair no máximo para comer ou beber, e não pensar em nada de turismo. Vim para Praga pensando nisso e não consegui, mas acho que em Budapeste, com meu quartinho por uma semana, vou ter um espaço mais gostoso para poder organizar minhas ideias, e aproveitar ESSE ANO INTEIRO QUE EU ME DEI DE PRESENTE para ver mais filmes, ler mais livros e usar esse relaxamento para me conhecer de fato. 

Também quero escrever mais, por exemplo sobre cafés que estou visitando. Tenho que me desligar da ideia de escrever pensando se vai ser útil, se alguém vai ler, se eu mesmo vou querer usar isso no futuro, eu quero escrever por que eu gosto de escrever, e isso basta! Nesse blog eu faço isso um pouco, sempre quando abro essa página aparece quantas visualizações houveram, cerca de 2 ou 3 por dia, e eu fico até mesmo surpreso, porque acho que não vai ter nenhuma! E ao contrário de me desmotivar, isso me anima a continuar escrevendo, pois é uma das melhores maneiras de botar pra fora tudo isso que eu fico remoendo na cabeça. É um alívio!

LM

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Bolo de cenoura e goulash

It's all about food at the end.

E é verdade, simples e clara como o cristal da Boêmia. Quando se deixa tudo, quando se vende o que se tem, larga o namorado, deixa o emprego, a cidade, a estante e os livros, quando não se precisa de mais nada, do que você precisa?

Comer está entre as primeiras necessidades, não tem como escapar!

Deixei a Alemanha ontem, a caminho de Praga. A viagem foi longa, e o ônibus não foi muito desconfortável, mas eu fiquei a viagem inteira me curando da ressaca, onde já se viu misturar vinho com cachaça Lucas? Isso me ensinou uma lição, nunca deixe um queniano ir te dando bebidas aleatórias.

Cheguei por volta da 8 da noite no hostel. Adorei o lugar, cama confortável, tomadas e lâmpadas individuais, e muitos asiáticos silenciosos. Perfect!

Decidido a não fazer turismo nesses primeiros dias, tomei banho, lavei cuecas e meias e saí para jantar. O restaurante que eu tinha lido sobre estava fechado, mas o garçom me indicou um restaurante parecido ali perto. Nessa hora, eu estava MORRENDO de fome.

Cheguei e os garçons eram de uma preguiça exemplar, com uma técnica nunca vista de virar a cara no exato momento que o cliente tentava pedir. O restaurante se chama U Vejvodu, com uns acentos que não tem no meu teclado, dá pra ver onde é clicando aqui.

Quando eu consegui pedir, fui logo de goulash, que pode ser ou o prato com a carne guisada e umas massinhas de batata para acompanhar, ou a sopa, que para mim deve ser a mesma carne guisada com mais líquido, vem acompanhado de pãozinho. Pedi também minha primeira cerveja tcheca, a famosa Pilsen Urquell. Olha aí que beleza.



Esse troço aí atrás é tipo um pretzel salgado que eles comem enquanto bebem, e é bem ruim, muito seco, e muito salgado. Do goulash eu nem tirei foto porque foto de sopa não dá muito certo, mas tava ótimo também. O legal foi que a conta veio em 124 coroas:

40 pela cerveja de meio litro (5,7 reais)
15 pelo pretzel ruim (2 reais)
69 pela sopa (9,8 reais)

Então eu gastei DEZESSETE REAIS E CINQUENTA CENTAVOS pelos jantar todo minha gente! Com a minha mãe lá em Paris isso não pagava nossas cervejas de 300ml. Como é bom poder pensar em reais sem medo de novo, tem horas que os euros dão medo!

Ontem num acesso de gula fui logo provando o pãozinho típico daqui, o trdelnik, que é massa de pão enrolada num espeto e assada que nem churrasco, e depois rolada no açúcar com canela, comi o meu na Trdlo (estou adorando fazer links hoje!).



É bom, tipo, pedi o básico sem recheio, então não tem lá muito gosto, e a massa tava quase crua, bem no limite. Estava bom porque estava quentinho e doce, mas acho que tenho que comer mais alguns pra saber se é legal mesmo ou não!

Foi isso, hoje estou num café super descolado, tomei sopa, suco orgânico das maçãs virgens da Eslovakia, pedi bolo de cenoura, tomei café e tudo custou, já com gorgeta, menos de 30 reais. Acho que amo esse lugar!



Amanhã vou começar a fazer passeios de turista. Vamos acompanhar!

LM


quinta-feira, 13 de outubro de 2016

O Cansaço das Viagens

Nunca imaginei que ficaria cansado de viajar. Mas não é um cansado no sentido de não ter mais vontade, pelo contrário, cada dia quero ir mais, conhecer mais, aproveitar mais. No entanto, tenho me sentido mais e mais esgotado.

A última parte da viagem com a minha família foi muito boa, apesar dos pequenos desentendimentos me senti mais leve, mais calmo, aceito de forma mais fácil hoje que cada um é diferente, e que essa coincidência bacana que é nosso encontro na terra deve ser aproveitada. No entanto, não conheci lá muita coisa nova, revivi coisas que na viagem com a Wanessa há pouco mais de um ano tinha visto.

Para tudo, esse texto tá saindo difícil, não estou conseguindo me expressar.

Eu quero dizer que estou cansado, ponto.

Acordar, passear, procurar roupa limpa, dormir, fazer a mala, trem, avião, ônibus, blá blá blá, o que comer, onde preparar, tem panela? Tem forno? Tem garfo? Tudo isso, praticamente todo dia, já me deixaram meio de saco cheio.

Ao mesmo tempo, estou curtindo tanto viajar! Que paradoxo, não é? Mas é normal uma moeda ter dois lado, assim também é a vida, com os altos e os baixos, os prós e os contras. Escrevo isso num ônibus de Munique para Praga, já viajei 5 horas desde Freiburg e ainda tenho quase 5 pela frente, então acho que esse cansaço se acentuou.

ESTOU SOZINHO, SOOOOOOZIIIIIIIIIIIIINNNNNNNNNHHHHHHOOOOOOOOOOOOOO

:)

Como é bom isso, tava morrendo de saudade de estar só comigo mesmo. Família, couch surfing, amigos, todos são lindos e incríveis, mas agora preciso de um tempo com o Lucas, quero ficar quieto, enfrentar meus medos, minhas eternas perguntas sobre tudo, enfim, relaxar. Também quero ver minhas séries, ler meu livro de boa, passar horas na cama sem culpa de não estar conhecendo algum lugar, interagindo com alguém, ou qualquer outra preocupação.

Estou seguindo um planejamento que eu tinha desenhado em linhas gerais lá em São Paulo, mas que eu não pensei tão a fundo, será que é a melhor maneira de passear? Será que vou me sentir feliz? Meu, eu tinha que seguir algum roteiro né? Não tem como saber de nada, tenho que me lembrar que eu nunca fiz uma volta ao mundo, não sei se vou gostar de lugares onde nunca fui, ou se gostaria mais de ir para outro lugar. Tenho que fazer minhas escolhas, e aproveitar o máximo delas.

Depois desse rolê do leste europeu vou para a Turquia, depois Índia, depois Austrália. Parei por ali por enquanto, já tenho viagem marcada até o final do ano. A ideia é passar pelo menos um mês na Austrália, mas ainda não sei se vou ficar mais, se vou pra Nova Zelândia ou sei lá o que, é muita viagem meu Deus!

Alias, como eu sou indeciso, que bosta! Fiquei uma semana entre a cruz e a espada na hora de escolher a passagem de Nova Delhi para Sydney, de um lado a Air Asia e uma passagem de uns 1400 reais, do outro a Singapure Airlines e uma passagem de 2000 reais. Economia e assento duro ou os mimos que eu adoro. A economia de 600 contos que eu poderia me dar de presente indo num restaurante, comprando umas roupas, ou fazendo um day spa, ou voar numa companhia nova e conhecer como que é o serviço de bordo que sempre me interessou. Bom, a luta foi grande, mas ganhou a Singapure mesmo. Lembrei dos meninos de Osasco e da mãe deles que ficou toda zuada indo pros EUA pelo México. Claro que eu sei me virar, que a Air Asia só não tem conforto, mas não é zuada e tals, mas meu, eu adoro voar, me interesso por aviões e companhia aéreas, e a economia nem é tão gigante assim, se fosse a metade do preço, daí talvez valesse a pena. O que me incomodou foi ficar desesperado uma semana inteira com esse assunto, quando meu coração já tinha me dado a resposta de primeira. 

Segue seu coração viado!

LM

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Viagem com a família!

Quanta mudança!

Poucas semanas separam o agora de quando eu estava no Caminho, mas parece que uma vida inteira já me distancia das experiências que eu tive na Espanha.

Primeira coisa, a rotina. Acordar, fazer xixi, escovar os dentes, enxugar a cara. Arrumar mochila, enrolar saco de dormir, calçar as botas.

ANDAR

Ficar um mês fazendo isso todos os dias faz a gente se desligar da realidade de uma vida com a qual nos acostumamos facilmente, como a rotina doméstica ou mesmo a que eu estou vivendo agora, a tal loucura de viagem. No Caminho sobrava tempo para contemplar, para deixar os pensamentos fluírem sem limite, sem pressa, um passo atrás do outro.

Daí acabou.

E foi bom, para ser sincero essa contemplação toda cansa. Acredito que as coisas precisam começar e precisam igualmente acabar. Ver as pessoas que vão e voltam pela trilha de Santiago me faz ver que é muito fácil deixar os problemas de lado, não pensar em nada e ligar no automático. Eu não quero isso para mim.

E então começou a viagem com a minha mãe. A primeira coisa que eu tenho que dizer é o quanto eu me sinto bem em Paris, como é bom saber que eu conheço melhor a cidade, que eu me viro com o transporte público, que não me sinto um turista bobalhão por lá. É bom saber falar a língua, entender as placas e me comunicar sem muito cansaço. Também é bom saber como gastar a grana, aprender a evitar as armadilhas de turistas e andar com calma pela cidade. Enquanto eu morava aqui na Europa eu nunca senti isso com cidade alguma, exceto Bruxelas. Porque nada era meu, nenhuma viagem era minha, nenhuma escolha era a minha escolha. Apagado, morto, indiferente. Parece cruel colocar dessa forma, mas era exatamente isso que eu sentia. Eu não era eu mesmo, não exercia minha personalidade, não escolhia nada. Por isso, para mim é como se eu estivesse abrindo meus olhos para os lugares lindos que teoricamente eu já conhecia, é como aprender a enxergar.

E eu aprendi também a não culpar, ninguém fechava meus olhos antes, era apenas eu que me recusava a abri-los. 

Amadurecer é aprender, e sinto que esses anos todos têm me ensinado bastante.

Sonhos são também invenções nossas. Eu inventei que queria passar meus 30 anos em Paris, no topo da torre Eiffel. Depois coloquei minha mãe na história, e no final esse desejo se realizou, nos meus 30 anos estava no topo da torre Eiffel com a pessoa que eu mais amo no mundo, agradecendo por todas as coisas incríveis que pude viver nessas três décadas. Foi legal e especial, mas apenas simbólico, assim como aprendi que o importante é o Caminho, também comecei a aprender que viver que é legal, fazer aniversário é só um detalhe.

Dos três namorados que eu tive, apenas um me felicitou, e de uma forma linda e carinhosa ainda por cima, como convém tratar alguém que foi especial na sua vida, pelos meus 30 anos. Tenho pensado muito nisso ultimamente. Quem eu valorizei, gostei e fiz questão de tratar bem até agora simplesmente me ignora numa data tão importante, é incapaz de se alegrar com minha felicidade, ou pelo menos ter a educação de me cumprimentar? É isso mesmo? Que lixo de gente que eu ponho em minha vida? A culpa é minha, é claro, por não enxergar quem realmente deve ser valorizado.

Pude aproveitar melhor Paris dessa vez do que no ano passado. Tive um pouco mais de tempo, e como fomos só em lugares que eu já conhecia, fiz tudo com calma e respeitei o ritmo da minha mãe. Em alguns lugares e momentos eu olhava para ela tão admirado, ela estava mesmo lá? É verdade que estávamos juntos em Paris, fazendo as coisas que eu gosto, mostrando para minha mãe como é um restaurante estrelado, que gosto tem um macaron da Ladurée? Não consegui deixar de pensar nenhum dia, até hoje, nos nossos piores momentos de pobreza, do pão velho frito no óleo por falta de manteiga, da venda das roupas por 20 reais para poder comprar comida, da ausência de ajuda de qualquer pessoa que se importasse conosco. Eu e minha mãe vencemos juntos, esse mérito é só nosso, essa conquista tem que ser celebrada todos os dias, nós demos a volta por cima, de cabeça erguida, sem pisar em ninguém, trabalhando e lutando.

Ir para Bruxelas com 4 dias inteiros para aproveitar a cidade também foi uma experiência muito mais gostosa do que o previsto. Me dei conta, ainda mais do que no ano passado, do quanto eu gosto de lá, do quanto eu me sinto muito à vontade, DO QUANTO EU LEMBRO DE TANTA COISA, TANTO LUGAR, TANTA RUA! As vezes pode parecer que um ano e meio é pouco tempo, ainda mais com tantas viagens no meio, eu mesmo pensava isso, mas eu vivi Bruxelas intensamente, conheci bastante a cidade, andei por muitos e muitos lugares, pude construir memórias bonitas por lá, e isso fica para sempre. Minha mãe adorou a cidade, e disse que é a sua favorita na minha escolha de lugar para morar. Acho que por enquanto ela também é a minha favorita. Mas será que eu conseguiria ser feliz em Bruxelas? Bom, tenho muito tempo para pensar nisso.

Outra boa surpresa está sendo Amsterdam. É a primeira vez que venho aqui desde que fui embora para o Brasil, e minhas memórias da cidade eram meio chatas, muitas construções iguais, muitos turistas e um clima terrível de frio. Uma cidade meio sem graça apesar da experiência bacana com os cogumelos. Pois bem, queimei a língua, a cidade é deliciosa. Mais uma vez considero que é a primeira vez que visito essa cidade do jeito que eu quero, e que isso faz toda a diferença. Chegamos ontem e meu irmão nos esperava na estação. Foi bonito ver o quanto minha mãe ficou feliz. Valeu a pena o esforço todo para fazer com que ele estivesse aqui conosco. Eles são minha família, cada dia entendo melhor isso. Eles são o que eu tenho que valorizar mais nesse mundo.

O clima aqui realmente é super, super frio, isso porque estamos no início do outono, mas agora eu sei me proteger melhor, ainda mais da idiotice de não ter agasalho decente no Caminho, e tenho conseguido me manter confortável mesmo na rua. O que é mais lindo aqui é a luz, refletida nos canais, iluminando as casas e as igrejas, batendo no sol rosto e ajudando a afastar o frio. É uma cidade onde todos sabem o quanto um bom sol é raro, e se esforçam para aproveitar cada raio dele. É também bem cara, acho que a mais cara das 3 cidades principais dessa viagem, mas meu orçamento ainda está tranquilo, então não tenho me exasperado muito com isso.

Já penso bastante nos próximos passos. Já comprei a passagem para a Turquia e para a Índia, e isso me deixou muito, muito animado! Parece que agora eu sinto mesmo que estou dando a volta ao mundo, e não apenas passeando pela Europa. Acho que semana que vem, quando eu estiver em Praga, que será um lugar novo para mim, já vou conseguir sair do automático e voltar a me surpreender com tudo! 

COMO É BOM VIAJAR!

LM