sexta-feira, 19 de agosto de 2016

CAMINHO DE SANTIAGO - DIA 1 - SAINT JEAN PIED DE PORT

A palavra é: CHEGUEI!

Quanto tempo, quantos anos, quanta expectativa de um dia fazer esse caminho. No final, ele tinha virado mais um sonho adormecido dentro de mim, uma lembrança carinhosa da época que eu era moleque e não me importava de sonhar sempre um pouco mais.

O quê tenho me perguntado nos últimos dias é justamente qual é a minha motivação para querer andar tantos e tantos quilômetros a pé? Tenho algumas pistas, primeiro o livro do Paulo Coelho, que li em Uberaba há uns 16 anos atrás. A vibe de mago e peregrino, a minhas experiências tentando reproduzir os rituais que ele fazia no livro lá na casa da vó Lídia, rodeado de coca cola e pão de queijo, numa época em que eu mal tinha noção do que era Espanha. Depois, numa noite na casa do meu irmão, nas famosas sextas-feiras após a meia noite, quando só se pagava um pulso pela internet, fui digitando aleatoriamente paulocoelho.com, paulocoelho.net.br, até acertar (num mundo sem google) e enviar uma mensagem para ele falando da minha vontade de fazer o caminho, pois havia lido que ele bancava viagens de peregrinos pobres que nem eu. No final, recebi um email assinado pelo escritor (vai saber...) me desejando força e um bom caminho. Tomei aquilo como um incentivo e continuei vivendo a minha vida.

Para mim, deixar Botucatu e vir para a Espanha tinha apenas um significado, LIBERDADE. Bullyng na escola, ausência de pai e mãe (hoje não mais!), falta de grana, falta de perspectiva, eu me sentia realmente dentro de uma prisão, sem direito a entrar na festa que para mim faziam parte tantos outros. O caminho naquela época me parecia a forma de evoluir, encontrar valor em mim mesmo e finalmente dar certo na vida, deixando para trás meus problemas, minha família ausente, tudo o que me fazia mal.

COMO EU ERA INGÊNUO! Mas como é grande o carinho que sinto por aquele adolescente tão complicado que eu era, tão cheio de razão, tão solitário mas que no final nunca perdeu a esperança. Afinal, hoje estou aqui!

Depois que eu cresci e as coisas finalmente foram acontecendo, viagens, faculdade, casamento, mudança para a Europa, mais viagens, separação, recomeço, sucesso profissional, apartamento próprio, até finalmente jogar tudo para o alto, vender tudo e começar a dar a volta ao mundo, durante todos esses momentos o caminho ficou adormecido, como um sonho mesmo, uma ideia infantil que ficara apenas no campo dos planos.

E como mudou? Justamente ao pensar em um ano inteiro viajando pelo mundo, com o propósito de me encontrar, de descobrir para onde eu quero guiar a minha vida a partir de agora, o caminho veio como um trem de encontro à uma parede de pedra. BUMMMMMMM! Óbvio, depois de tanto tempo, era no caminho que eu iria conseguir ter um momento a sós comigo mesmo que há tanto eu almejo. E dessa forma coloquei o caminho na etapa número dois da minha viagem, após um primeiro mês de viagem e trabalho ao sol no sul da Itália, para fazer meu corpo começar a funcionar melhor.

Tudo isso me trouxe até onde estou hoje, Saint Jean Pied de Port, na fronteira sul da França com a Espanha, etapa inicial de uma das várias possibilidades de se chegar a Santiago, conhecido como Caminho Francês (apesar de incluir apenas 1 cidade na França).

Assim como todos os peregrinos que vejo ao meu redor, também estou excitado, ansioso, querendo me jogar na estrada e começar logo minha caminhada. Cheguei aqui em SJPP vindo de Bayone, que fica a apenas uma hora de trem daqui, aliás, o trem percorre uma paisagem tão linda que me fez lembrar da noviça rebelde. A cidade tem uma energia toda especial, e vive em função dos peregrinos e dos turistas que passam por aqui apenas para ver os peregrinos! E também as muralhas da cidade, e os prédios e o clima de lugarzinho medieval que reina por aqui, SJPP é patrimônio mundial pela Unesco, e sinceramente, merece.

Nesse primeiro dia tive contato com dois caras, um novinho italiano de 18 anos, que não conseguiu se segurar e partiu em caminhada ainda agora de tarde, provavelmente para dormir na barraca no meio dos Pirineus, e um sueco que veio andando... DA SUÉCIA! Ele já percorreu 2700km e vai até Finisterre, que fica a 90km além de Santiago. Conversei brevemente com alguns outros peregrinos, mas nenhum contato mais forte além desses.

Consegui vaga no albergue municipal, o mais baratinho e mais tradicional eu acho, paguei 10 euros pela cama e estou surpreso por ser um lugar bem limpo, com banheiros com muita água quente e camas confortáveis com tomada! Vamos ver como serão os próximos.

Hoje o clima é de aventura, de desconhecido, de frio na barriga sem saber se o corpo aguenta. Joguei tanta coisa fora desde Assis, simplesmente estou deixando o que não uso pelo caminho. Hoje foi a vez de roupas que eu gostava muito, mas que já usei bastante e que não farão falta pelo caminho. Minha mochila está com 12kg, e sei que preciso fazer ela pesar o menos possível para atingir meu objetivo de caminhada sem me martirizar demais. E outra coisa, POR QUE PRECISAMOS DE TANTO? Por que nos obrigamos a ter essa tralha toda que carregamos nas costas durante toda nossa vida, qual o sentido disso?

Isso me leva a uma outra pergunta interessante: do que precisamos de verdade? Do que eu preciso na minha vida?

Agora vou jantar e descansar, bonsoir!

LM







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