sábado, 24 de setembro de 2016

Dia 30, 31 e 32 - Caminho de Santiago - Arzúa, O Pino e Santiago de Compostela

Bom, eu cheguei!

O momento de euforia da chegada já passou, hoje é sábado, dia 24, estou em Valencia, no aeroporto, esperando meu voo para Paris, e cheguei em Santiago na última terça-feira, dia 20 de setembro.

Portanto faz uma semana que não escrevo, o que é bastante.

Muita coisa aconteceu, mas ao mesmo tempo não sinto vontade de descrever nada em especial, pois acredito que ao longo de todo o Caminho pude expressar aqui no meu blog vários pensamentos e ideias que foram surgindo ao longo dos milhares de passos até Santiago.

No dia seguinte da minha chegada fui gravar um vídeo em frente à Catedral para contar como foi o final da caminhada e a chegada, e também para encerrar essa parte da minha viagem. Como o celular estava sem muito espaço, o vídeo acabou ficando cortado em 3 partes, e resolvi não editar para que ficasse mais natural mesmo, do jeito que foi.




Além desses vídeos, fiquei doente nos meus dias em Santiago, uma gripe misturada à minha famosa dor de garganta, que suspeitei que fosse evoluir para uma infecção. Porém, no aeroporto de Santiago confiscaram minha faquinha e meu bastão de caminhada, o Mirto, e foi muito difícil e fácil ao mesmo tempo deixá-los para trás. O Mirtô foi meu parceiro fiel durante todos esses dias, me apoiou literalmente em cada passo do meu caminho, porém apesar do simbolismo e do meu avô, ele era apenas um bastão, que agora não preciso mais, que entrou na minha vida, me ajudou muitíssimo e que agora não faz mais parte do meu Caminho. É uma analogia com as pessoas, as coisas, tudo, com a nossa vida, tudo passa, tudo que entra em nossa vida tem uma função, e depois vai embora, para abrir espaço para outras coisas, para outras pessoas. Bastão, amigos, livros, roupas, poemas, músicas, namorados, todos eles podem ir embora de um momento para o outro.

Só que sempre sobra você.

A vida, as conquistas, as lembranças, sempre serão suas, você é o único responsável por... viver! Nosso destino pode cruzar com o destino de milhões de coisas, mas será sempre nosso. E é preciso aprender a deixar ir, a não sofrer e não possuir, é preciso aprender a aproveitar, a amar, saborear, aprender, o máximo possível enquanto estamos juntos. Pensar demais no amanhã, na posse ou nas dores de perder só bloqueia esse processo lindo chamado contato.

Pois bem, ao deixar o Mirtô e chegar em Valencia, comecei pouco a pouco a melhorar, até estar muito bem hoje. Foi surpreendente, pois afinal depois de tantos e tantos anos com as frequentes infecções, já aprendi a entender meu corpo e seus sinais, e tinha certeza de que teria que ir ao hospital. Nesses dias estava com o Fábio, com quem tive uma pequena e intensa relação nos últimos trechos, e também estava com o sentimento triste de ter acabado o caminho. Essas energias de despedida que devem ter me feito doente. Sofrer, antecipar o sofrimento ou pensar nele são como venenos para o corpo e para a mente, uma coisa tão óbvia mas que agora ficou muito mais clara para mim.

Enfim, o Caminho de Santiago é sensacional, chegar à Santiago é apenas ok, mas a emoção está completamente no caminhar, e poder viver isso foi I-N-C-R-Í-V-E-L.

Adorei escrever sobre isso aqui, e acho que vou continuar escrevendo sobre o resto da minha viagem!

LM






sábado, 17 de setembro de 2016

Dias 28 e 29 - Caminho de Santiago - Portomarím e Palas del Rei

ESTA CHEGANDO A HORA!

Esse é o principal pensamento, não tem como. A despedida do caminho já começou, já olho os campos, as árvores e até as pedras com uma nostalgia, uma saudade de quem sabe que está chegando a hora de acabar. Mas isso é bom também, já estou há muito tempo no Caminho, terminar faz parte e é saudável. Vejo pessoas como Jêrome, Jorge e outros que vi por aí que ficam perdidos e não conseguem sair do caminho, vão e voltam, vão e recomeçam, retornam e começam de novo, ficam presos nessa atmosfera de trânsito e não voltam para suas vidas. 

Tudo tem que ter um termo, um fim, um adeus. O Caminho de Santiago está sendo uma das coisas mais incríveis da minha vida, cada segundo aqui sinto que estou crescendo, sendo nutrido com conhecimento e energia que me farão um homem melhor. Por isso mesmo, esse processo tem que terminar, para que eu possa aplicar todas as reflexões que tenho tido, todos os planos que tenho feito, à vida real.

Desde Saria que uma GRANDE multidão de peregrinos se juntou a nós. Muitos os chamam de turisgrinos, e olham para eles como se eles estivessem poluindo nosso caminho, daqueles que iniciaram na França e que caminharam passo ante passo para chegar aqui.

QUEM SOMOS NÓS PARA JULGAR QUALQUER PESSOA?

Obviamente eu também caí nessa de desprezar essas pessoas, mas ontem mesmo me dei conta de mais essa bobagem. Hoje trabalhei mais isso dentro de mim. Cada um faz seu Caminho. Isso não é uma corrida. Respeitar. Aceitar. Amar e não julgar. Simplesmente ser uma pessoa melhor. É tão fácil falar, e tão difícil entender e praticar.

Um fato é que a grande quantidade de pessoas, cidades e albergues mudou completamente a maneira como vemos o Caminho agora no final. Das florestas de Navarra, os vinhedos de Rioja, os campos de Léon, a Meseta e seus campos dourados quase intermináveis, até o Bierzo e suas montanhas, agora o que temos é uma paisagem mais humana e mais urbana, e as reflexões e o tempo de auto conhecimento ficam menores, sem tanto espaço para acontecerem quando se tem tanta gente atrás, ao lado e à frente. Esses tantos e tantos quilômetros me ofereceram muitas oportunidades, e estou tentando aproveitar cada uma delas.

LM

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Dia 27 - Caminho de Santiago - Sarria

Estamos na Galícia!

Sei lá, é muito mais fácil ver coisas parecidas com o português nas ruas, me sinto mais à vontade, apesar de não conseguir entender quase nada quando eles falam galego. Imagina uma mistura de português de Portugal com espanhol e uns dialéticos élficos, é isso.

Hoje foi mais um dia de frio, só que com pouca chuva, o que foi bom. Também foi um dia curtinho, de 17km. O interessante de caminhar com o Fábio, mais o tempo nublado, é que a dinâmica de caminhar muda completamente. Não preciso me preocupar com o sol, que não aparece nem pra dizer INHAÍ, então tanto faz a hora de sair do hostel, afinal sair cedo era apenas para prevenir o sol forte, então saímos mais tarde, caminhamos mais de boa, e chegamos mais tarde também. Isso faz a experiência mudar bastante, incluindo a parte de sair do banho e só querer ficar tranquilo nas cobertas, descansando e assistindo séries.

As pessoas aparecem na nossa vida né? Elas chegam, te balançam todo, te ensinam e algumas se mantém, outras se vão. Acho que por isso nossa raça é tão impressionante, esses contatos, essas ligações fazem a nossa vida mudar.

A caminhada tem me trazido outros pensamentos agora, sobre minha vida futura, meus planos, minhas viagens. De certa forma, estar a 110km de Santiago já é ter chegado lá. Não consigo evitar, já estou com a cabeça e a alma voltado para frente.

LM

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Dias 25 e 26 - Caminho de Santiago - Las Herrerías e Tricastela

A vida é interessante, variada e cheia de piadas internas.

E não é que no dia seguinte a ter uma experiência chata com um cara o destino (e o Grindr) me colocam o Fábio em frente.

Minha estadia em Villafranca não foi muito legal, o albergue deixando muito a desejar, e para piorar a previsão dizia 4 dias seguidos de chuva. Quando acordei, antes das 6, quase todos os outros peregrinos já tinham ido embora, pois a previsão dizia que iria chover a partir das 7 da manhã. Arrumei a mochila, comi meu sanduíche frio de presunto e queijo, quanta falta faz comer algo quente pela manhã, e saí.

As 7 horas começou a chover.

Só que eu realmente não esperava sentir tanto frio. Fui muito idiota de não ter ido atrás de comprar uma blusa! Que falta faz um casaquinho por baixo da blusa, sou muito tonto mesmo! 

Bom, fui caminhando e cantando, fiz o download de muitas coisas legais para me acompanhar, e assim cheguei em Las Herrerías, depois de 20km de caminhada. 

Conversei no dia anterior com o Fábio, e apesar da experiência ruim do dia anterior, resolvi parar no Centro Cultural que ele trabalhava e tomar um café, bater um papo. Meu, eu precisava conhecer alguém legal PLEASE! Meu plano era ficar ali um tempo de depois seguir para meu destino final do dia, La Faba.

Só que a vida vai nos guiando do modo que quer. O assunto fluiu, e ficamos conversando, cozinhando e trocando ideia durante várias horas, até o momento em que nos beijando e ele me disse que o dono dali poderia me hospedar também, que haviam quartos livres por uma contribuição de 5 euros.

Eu estava tão animado por conhecer alguém normal e simpático que fiquei pensando bastante se mudava meu plano ou se continuava. Apesar do Fábio ser bacana, não gostei da energia daquele lugar, havia algo que me fazia me sentir muito, muito incomodado. Um plus foi quando me contaram que não havia água quente para o banho, lembre-se de que eu estava encharcado e com muito frio. O problema foi solucionado esquentando água numa panela e tomando o clássico de Lucas e Andrea, o banho de canequinha. Foi muito bom até, bem quentinho e tals, mas o tempo todo uma sensação muito esquisita com aquela casa.  Não sei bem o que era, mas eu acho que tem a ver com o dono da bagaça, um americano chamado Richard. Não simpatizei com ele, me pareceu alguém muito manipulador e que está sempre atento para conseguir alguma vantagem, adulando quando precisava, mas sempre colocando a pessoa lugar onde ele quer que esteja. Além disso, essa coisa da energia negativa quase, mas quase mesmo, me fez ir embora, inclusive me acelerando um pouco meu coração.

Outra coisa é o meu temor em conhecer alguém legal, querer fugir de qualquer vislumbre, de qualquer possibilidade de me ligar à alguém de novo. Não quero, não quero, não quero. Chega de namorar ou estar preso a quem quer que seja, não agora, não nesse momento.

Claro que é encanação da minha cabeça, mas também tem seu fundo de verdade. O que me dá um grande cansaço é não querer ter sexo casual com ninguém e também não me ligar a ninguém o tempo suficiente para fazer um contato maior. Bom, a questão se resolveu comigo ficando por lá mesmo, e decidindo que eu iria aproveitar meu momento com o Fábio da melhor forma possível.

Foi uma delícia. Estar com alguém carinhoso, beijar, estar junto. Isso tudo faz falta, viu?! No final, o frio do quarto sem aquecimento, o americano meio truqueiro e todo o resto foram compensados por algo que me fez me sentir feliz e valorizado enquanto homem.

O Fábio decidiu caminhar comigo, e isso me dá medo de não conseguir controlar a situação. Aquele velho dilema, não magoar, não agir de forma errada, aproveitar o máximo, não perecer um louco de pedra. Mas isso é a vida, essas coisas a gente tem que aprender a administrar.

Agora imagina uma montanha

 
Então, como ontem eu caminhei menos do que o esperado, hoje eu ia compensar andando 30km. São que os quilômetros em questão são nada mais nada menos do que TODA A MONTANHA ONDE ESTÁ O CEBREIRO. Yes, trinta quilômetros entre subir, andar e descer. Com chuva. Com muito frio.

Tá bom, tá bom, eu sou uma drama queen, eu sei. Estou aqui vivo escrevendo né? A subida foi difícil, a descida foi um perrengue para os joelhos, e a chuva foi nossa companheira grande parte do caminho, além do frio que esteve durante o dia todo por volta dos 10 graus (e eu sem um casaquinho além da capa de chuva). Mas a caminhada em si não foi difícil, de verdade. Meus pés estão ótimos, zero dor nas costas, o papo foi bom, e chegamos de boa aqui em Tricastela.

Passei muito frio, mas o banho quente e as duas cobertas além do meu saco de dormir já me ajudaram bastante, além de um episódio de Big Bang Theory.

E agora eu vou fazer um espaguete com queijo para jantar, que estou com fome!

LM











segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Dia 24 - Caminho de Santiago - Villafranca del Bierzo

Hoje fiquei com um cara.

Foi do jeito que eu havia pedido, ele me conquistou, veio de Ponferrada até aqui só para me ver, bebemos juntos e conversamos um pouco antes de ficar. Conforme eu havia solicitado.

E foi ruim. 

Não tenho bons parâmetros para comparar. Não consigo aceitar que não sou mais assim de ficar e só. Mas é o que eu sinto, não dá mais para fingir que está tudo certo. O tesão continua ali, sou humano e tenho desejo como qualquer outro. O que passa é que não encontro, desde que terminei o meu namoro, forma de dar vazão à minha libido sem querer me envolver com alguém.

É difícil. Fácil é gozar, difícil é ter prazer gozando. 

Essa é uma temática que vou ter que encarar por muito tempo durante minha volta ao mundo. O que vou fazer? Aprender a viver sem sexo? Reaprender a gozar de forma aleatória e ficar triste depois? De uma forma ou de outra, tenho que aprender primeiro a estar bem sozinho, e deixar o sexo ou qualquer outro envolvimento vir de forma mais natural, mesmo que seja casual, que seja mais fluído, mais simples. Eu complico muito as coisas.

Mas a vida é assim mesmo não é, um grande e contínuo aprendizado. O importante é continuar andando.

LM


Caminho de Santiago - dias 22 e 23 - Ponferrada e Camponereyda

Dias intensos e cheios de emoções esses dois últimos.

Dois pontos se destacam, minha despedida do grupo de amigos que vinha andando comigo há alguns dias, e uma diarréia que fez eu aumentar (e ganhar) um dia a mais de caminho.

Sempre que eu fico doente, penso em como a gente é besta. Eu estava aí dias e dias fazendo meus planos, tantos quilômetros hoje, mais não sei quantos amanhã, aumentar a velocidade aqui, diminuir ali, e foi só comer uma lula frita estragada que toda minha presunção foi abaixo.

Claro que foi um ensinamento, uma mensagem direta do Caminho para mim, do tipo, meu filho, qual a parte de aproveitar o caminho você ainda não entendeu? A gente acaba se acostumando a tratar isso aqui como uma maratona diária, uma prova de esforço, algo a ser superado, mas nos momentos como o de hoje o Caminho lembra o porquê dele existir. Não é um exercício, não é uma disputa

NÃO É UMA CORRIDA.

Ontem andei normal, eu e o Héctor já meio que nos despedindo, tirando fotos e tals. Ponferrada é uma cidade gostosa, tem um castelo bonito e antigo e um clima gostoso para curtir. Pela primeira vez fiquei num albergue de donativo e não dei nada, nem um centavo. Não sei muito bem porque fiz isso, mas não foi 100% mão de vaquisse, mas também essa vibe de passar uma noite de peregrino, ficar na base da caridade. 

De presente ganhei o piriri!

Saimos para beber e comemorar o último dia do Héctor. Foi muito engraçado conhecer esse cara, começamos a conversar, e eu só dei papo para ele porque achei ele bonito, e ao longo desses dias todos ganhei de presente um amigo incrível, cheio de ideias e experiências de vida bacanas, que me mostrou como ter uma amizade com um homem hétero de boa, o quando a gente se prende à sexualidade de forma besta, os dois lados, e o quanto é bom estar com alguém do mesmo sexo sem precisar ou querer conquistar ele. Vai ser muito interessante visitá-lo daqui duas semanas. Será que fora do caminho nossa amizade tem como continuar? Bora descobrir!

Enfim, o Héctor escolheu um lugar chamad El Bodegon, um ambiente bem legal, montes de crianças e famílias, parecia bem tradicional. Lá eles só serviam 4 coisas, batata brava, calamar frito, mexilhão ou um baconzitos caseiro. Faziam também sangria de Cava, lembrei do Labigalini e do Miró. Tomamos cerveja e comemos três porções de brava e uma de calamar, que eu praticamente comi sozinho. Tenho certeza de que foi isso que me fez passar mal porque só de pensar já me dá ânsia.

No meio da noite acordei e vomitei tudo que havia no estômago, e também tive uma diarréia líquida bem forte. Só que depois disso consegui dormir de boa, achei que fosse só excesso de comida que meu corpo precisava eliminar. Só que não. Ao acordar, comecei a ter todos os sintomas de infecção alimentar de sempre, suor frio, muita ânsia e muita, muita diarréia. Tava me sentindo um zumbi. Tomei uma aspirina e decidi que ia ficar com a Val até mais tarde para ver o que ia acontecer e se eu precisaria ir ao hospital.

Foi a melhor decisão de todas.

Pude me despedir tranquilamente do meu amigo, quando já me sentia melhor, tomei café e comi uma fatia de pão, depois que o Hector foi embora fiquei conversando com a Val sobre um monte de coisa bacana até as 10 horas, quando me senti bem o suficiente para andar um pouco pelo caminho.

Caminhei 10km hoje. No final estava exausto, cheguei aqui em Camponaraya, fiz o check in no hostel e literalmente despenquei na cama. Dormi apenas uma hora e pouco, mas foi como se tivesse descansado uma noite toda.

Hoje eu finalmente pude fazer o que há tanto tempo queria, passar o dia vendo séries! Comecei a ver Big Bang Theory e já fiquei viciado! Não coloquei os pés para fora do hostel, literalmente. A dona, a Teresa, é uma super fofa, o lugar é limpíssimo e o wi-fi pega bem em algumas partes, menos no quarto. Falei com ela sobre meu mal estar e perguntei se eles faziam sopa, ela disse que não, mas que iriam fazer para mim! Outra coisa deliciosa, tenho um quarto só para mim hoje! Tem outros hóspedes, mas ao invés de amontoar todo mundo num quarto só, ela preferiu nos dar privacidade a todos. Realmente foi algo incrível hoje.

Tomei a sopa, uma das hóspedes é cantora de ópera e entrou onde eu estava soltando L´amour est un oiseau rebelle, de Carmem, que já foi devidamente filmado e publicado. Foi lindo de ver e de escutar, mais uma coisa deliciosa de ter vivenciado o dia de hoje.

Nada é por acaso.

LM 









sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Dia 21 - Caminho de Santiago - Foncebadon

Gente, quanta tristeza hein, sai fora!

Foi ótimo ter escrito sobre isso ontem, uns poucos minutos depois de escrever, estava dançando ila ilariê da Xuxa com a Dani e a Val para o Héctor, chorando de dar risada!

"vamos lá, subindo, mais alto!"

Obviamente a vida é feita de momentos difíceis, e acredito que precisamos mesmo viver nossas dores com a mesma intensidade com que vivemos as alegrias. A dor está presente por algum motivo, e tem com certeza uma função, por isso não deve ser ignorada, deve ser sentida, compreendida e vivida, para que essa compreensão possa ensinar e cumprir seu dever. Afastar a dor, a tristeza, é jogar sujeira para debaixo do tapete, é postergar algo que é necessário.

Hoje o caminho foi INCRÍVEL DE LINDO, e apesar dos seus 26km, não senti dores e cheguei me sentido muito bem ao povoado, e isso após subir uma montanha de mais de 400 metros de altura!

Também aconteceu algo importante hoje, algo do qual quero me lembrar depois (e é por isso que escrevo esse diário, é bom lembrar). Geralmente caminho sempre com o Héctor, conversando, ouvindo música, etc. Porém, nos momentos de subida temos ritmos diferentes, e ele acaba indo na frente. Hoje aconteceu igual, e quando estava sozinho coloquei para tocar o albúm "As Quatro Estações", do Legião Urbana, um disco que eu gosto muito, e que fazia muitos anos que não ouvia inteiro, se duvidar a última vez que ouvi foi em LP! 

A montanha de hoje era bem diferente do cenário dos últimos tempos, agora temos muitas árvores, uma vegetação mais variada e rica, plantas e flores rasteiras que mesclam verde, roxo e dourado à paisagem, e uma série de pinheiros baixos intercalados por samambaias, amoras, e diversas outras plantas, um cenário muito bonito! A subida, apesar de longa, não era muito inclinada, e pude ir observando o lindo cenário ao meu redor. Cantei forte vários trechos das músicas, curto o albúm todo, me lembra minha adolescência, os quartos das diversas casas onde morei, minha família, meus amigos. Pois bem, quando começou a tocar Monte Castelo eu pensei: nossa, que música linda, como eu gosto dela! De repente, sem prévio aviso, sem explicação, como um tapa na cara do nada, comecei a chorar. Começou mais como uma comoção, sem lágrimas, apenas aquele aperto no peito gostoso de emoção. No entanto, enquanto a música tocava, olhei para a paisagem e me dei conta da onde eu estava, e do que eu estava fazendo. Estou na Espanha, realizando um dos meus sonhos. Essa compreensão do poder da força de vontade, e de toda a ajuda que tive para poder ter a vida que eu tenho hoje me emocionaram, e mais do que isso, meu avô Morato estava comigo ali, mostrando para mim o quanto vale a pena ser forte e lutar, o quanto a vida pode ser INCRÍVEL, plena, cheia de coisas boas. Nessa hora já rolavam muitas lágrimas, quentes, pesadas, cheias de alegria e agradecimento. Cantei mais forte, murmurei muitas vezes obrigado, até o final da música.

Depois passou, me recompus e continuei a subir, tranquilamente, no meu ritmo, com essa certeza dentro de mim de que estou no Caminho certo.

LM 







quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Dia 20 - Caminho de Santiago - Astorga

Hoje eu me senti triste.

Não tem muito como explicar, não tem motivo nem razão, de repente alguma coisa dentro de mim me faz sentir um aperto no peito, um nó no estômago e não consigo sorrir mais, as pessoas ficam meio apagadas, cinzentas, e fico com um vazio grande dentro de mim.

Nada aconteceu, as pessoas foram legais comigo, meu corpo doeu como todos os dias, um pouco mais o calcanhar, dei risada, tomei café, comi, tudo como sempre, tudo que tem me feito feliz durante o Caminho.

Só que essa tristeza costuma não ter explicação mesmo. Eu sinto ela há tanto tempo, que é como receber a visita de um amigo dentro de mim. Antes ela vinha com mais frequência, mas já fazia tanto tempo que eu quase não a reconheci.

É uma desesperança, um choro contido, uma vontade de desaparecer, de que nada tem sentido e que a vida não vale a pena, que apenas preencho meu tempo antes de morrer. Não tenho sentido, nada do que faço tem sentido, estou aqui para nada, e ninguém que amo vai poder estar comigo para sempre.

Meu dinheiro, meu trabalho, tudo isso eu deixei para trás, e não me arrependo, mas com isso veio esse abismo na minha frente. O quê eu vou fazer da minha vida? Quantos dias eu vou caminhar a troco de nada antes de descobrir o que eu quero? Por quê tive que deixar tudo para me sentir sozinho?

As pessoas, as amizades, tudo isso me parece, quando estou triste como hoje, uma perda de tempo, uma porção de frases feitas, sorrisos prontos e acenos de mão. Sei que estou sendo tremendamente injusto, e que amanhã já não será assim, mas é como me sinto hoje.

Meus dois calcanhares tem bolhas bem doloridas, tenho medo que elas piorem. Tenho mais 10-11 dias de Caminho, e quero chegar sem muito sofrimento à Santiago.

Só de escrever e botar para fora essa bola de pelos que estava entalada em minha garganta já me fez sentir melhor, mais leve, mais agradecido por estar vivo hoje, e poder duvidar de tudo livremente.

LM

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Dia 18 e 19 - Caminho de Santiago - Léon e San Nicolas del Camino

E a grande memória de ontem foi: 


ALEX KID!


Enquanto eu e o Héctor conversávamos durante os longos, longuíssimos 37km que caminhamos, surgiu o assunto vídeo game e descobrimos que gostávamos do Alex Kid! É engraçado ver como pessoas que nasceram na mesma época, porém em lugares completamente distintos do planeta podem ter tantas experiências em comum.



Lembrei também do Diego, que vendeu o master system para comprar sua primeira guitarra. Como eu odiei meu irmão por isso. Como eu era besta. Se eu soubesse o quanto a guitarra faria meu irmão feliz, teria dado um abraço no Alex Kid e deixado ele ir sem problemas.

O dia em Léon foi um pouco estranho. Acabei incumbido de decidir onde ficaríamos, e escolhi um albergue ótimo, porém super longe do centro. As brasileiras que estão caminhando com a gente, Dani e Val, optaram por ir mais para perto do centro, e ficamos eu, os espanhóis e um italiano no quarto. O dia foi estranho porque estar em grupo acaba diluindo um pouco da sua própria personalidade. Com algumas pessoas se tem mais afinidade, com outras não, mas no final me parece que acabamos um pouco mais superficiais, sem nos colocar em nada muito intenso ou profundo.

Léon é uma cidade bonita, cheia de gente e bem antiga, com aquelas ruas cheias de histórias e construções seculares. A catedral foi a igreja mais bonita que entrei na vida, até onde posso lembrar, e pensei muito no livro Os Pilares da Terra, imaginando o Jack fazendo o cálculo das pilastras e abóbodas. O próprio áudio guia utilizava muitas expressões que li no livro como beleza, equilíbrio, jogo de pesos e contrapesos, entre outros.

Depois da igreja fomos fazer uma das coisas mais importantes quando se vem à Espanha: 

COMER CHURROS COM CHOCOLATE QUENTE MEU DEUS DO CÉU COMO ISSO É BOM EU QUERO TODO DIA POR FAVOR NÃO ACABA NUNCA!


Nossa, que saudade que eu tava dessa delícia! Fomos na chocolateria Valor, uma marca tradicional daqui, e realmente estava tudo muito bom, churros crocantes e fritos no ponto certo, chocolate no ponto ideal de cremosidade e intensidade, e aprendi com o Paco a primeiro passar a ponta do churro no açúcar, e depois banhar no chocolate.

Podia ir até Santiago comendo isso.

Depois começou a despedida do Paco, que foi meio fraude, porque ninguém conhecia bem a cidade. Tem uma coisa que os espanhóis normalmente gostam de fazer, que é ir de bar em bar comer tapas e tomar cañas, mas quando não se sabe bem onde é bom fica difícil. Fomos em um bar onde nos serviram uns camarões ao vapor bem honestos, e depois nos sentamos em outro onde comi as PIORES croquetas da minha vida, sem recheio, oleosas e sem sabor de nada. Mas a companhia era boa e estava divertido.

Se não fosse o italiano chamado mala, sobrenome vergonha alheia.

Sabe aquela pessoa inconveniente? Que aborda estranhos, principalmente meninas, o tempo todo e de forma constrangedora? Aquela pessoas que te interrompe quando você está falando, que introduz um assunto nada a ver na conversa, aquela pessoa que fala que vota na direita porque tem muito imigrante por aí? Então, apareceu um desses no nosso caminho.  Eu acredito que tudo seja aprendizado, e esse cara tem essa função de me mostrar que só entra e fica na minha vida quem eu quero, que eu não tenho obrigação de aceitar alguém que não me faça sentir bem. Claro, ao mesmo tempo, tem que se estar aberto a conhecer novas pessoas, quebrar velhos preconceitos e barreiras para crescer e tals, mas ainda assim com os limites que construímos a cada dia. 

Hoje de manhã, ao acordar, tentei sair com o Héctor de fininho sem ser percebido pelo italiano, que dormia, mas não deu muito certo, porque ele acabou acordando enquanto tomávamos café e foi conosco. Foi interessante sentir o velho conflito de interesses, comum a mim e a muita gente, entre ser educado e cortês, ou apenas seguir o que se está sentindo. Não acredito que na sociedade atual seja possível viver apenas de acordo com seus princípios, virando a cara para qualquer empatia ou preocupação com o outro (a não ser que se deixe de viver conforme as regras sociais, como o Alex Supertramp, e mesmo assim ele tinha uma boa relação interpessoal e era cordial), ao mesmo tempo, se preocupar em ser amigável e educado com quem não tem nenhuma importância para você, ou que você sabe que irá fazer você passar por situações chatas.

Esse é um equilíbrio muito sensível, principalmente para um libriano, mas estou cada vez mais pendente para o lado do foda-se, de dar valor e importância apenas à quem me faz bem. Parece óbvio, mas não é nada fácil.

A caminhada hoje foi mais tranquila em relação às dores, porém foi difícil pelo sol, pois foram 29km e saímos muito mais tarde do que o normal, as 8 da manhã. Chegamos em San Nicolas por volta das 13:30.

O hostel é uma delícia, com grama e árvores e, apesar de estar na beira da rodovia que cruza a cidade, tem um clima de paz muito gostoso. 

Fizemos nosso ritual básico e fomos ao mercado com as meninas e Jerôme para comprar coisas para comer. Fiz grão de bico na manteiga com cebola e alho, e depois coloquei chorizo picado no meio. Tão simples e tão gostoso! Hoje a noite vou fazer um macarrão quatro queijos e brigadeiros, pena que não tem forno para gratinar!

Hoje é 7 de setembro, dia da independência do meu país. Tentei cantar o hino nacional durante a caminhada e me embaralhei com a letra, o que foi uma pena, pois cantar o hino é uma coisa que eu gosto muito, vou ler várias vezes e tentar cantar com mais frequência, não sei porque mas acho importante. Parabéns Brasil, eu te amo.

LM



não é a cara da vergonha alheia?










segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Dia 17 - Caminho de Santiago - El Burgo Ranero

Tem momentos que você sabe que são especiais e dos quais você se lembrará por toda vida. Sem dúvida alguma estou vivendo muitos desses momentos aqui no caminho.

Além de tudo que já escrevi, sobre o caminho e sobre as pessoas, tem também os pequenos vilarejos que estamos atravessando diariamente, além dos nossos hospedeiros nos albergues, muitos voluntários ou proprietários que são do próprio vilarejo.

Essas cidadezinhas são como um tunel do tempo em vários aspectos. Em muitas temos as famosas igrejas que foram construídas quando o Brasil ainda nem existia, além de umas casinhas construídas de barro e madeira que parecem saídas de algum livro medieval do tipo que eu e minha mãe adoramos. Nesses lugares, aparentemente pouca coisa mudou, muitos nasceram e se mantém há séculos devido ao Caminho, a energia é muito forte, muito fluída de peregrinos que passam por ali sem parar, dia após dia, há muito e muito tempo. Quase todas nos oferecem uma fonte de água fresca e ao menos um bar para podermos comer um pincho de tortilla, um bocadillo ou apenas um café e uma desculpa para uma pausa. Imaginar uma vida nesses lugares me parece muito complicado, e por isso mesmo é um aprendizado observar as escolhas que cada um, com seu livre arbítrio, faz.

As pessoas que nos recebem e ali vivem são uma atração à parte. Em muitos albergues, como o que estou hoje, a pessoa passa por um processo de seleção e treinamento, paga sua passagem do país onde vive até a Espanha, e passa cerca de 2 semanas trabalhando sem ganhar um tostão num fim de mundo. Qual a motivação? Acredito que a mesma força que me faz caminhar todos os dias aqui. Essa excitação irracional que fazer o Caminho nos dá, a ânsia de conhecer novas pessoas, a possibilidade de ajudar pessoas que estão em busca das mais variadas respostas, e o aprendizado que esse contato pode nos proporcionar. No nosso caso, como peregrinos, é um aprendizado móvel, que acontece caminhando, com mudanças diárias, muitas vezes mudando de companheiros, ou mesmo estando sozinho diversos momentos. Já um hospedeiro está fixo olhando esse fluxo de pessoas e motivos diariamente passando. Acredito que a perspectiva faz com que se tenha uma experiência completamente diferente, talvez mais intensa, calma e profunda.

Uma pena que a condição de peregrino não permite um contato maior com a população dos vilarejos, que nos veem de certa forma como nuvens, como uns zumbis que chegam e vão dia após dia. Não há muito interesse nos peregrinos, os que trabalham nos serviços que usamos são corteses e educados, mas só isso. Acabamos interagindo apenas entre nós mesmos.

Hoje atingi o centro geográfico do caminho. Eu achei meio estranho, porque acho que já estou bem mais próximo de Santiago, acredito que chego em 2 semanas. Apareceu uma nova bolha no calcanhar, e a dor no pé virou uma sensação permanente. O Caminho não é fácil, é bom e estou gostando, mas cobra seu preço fisicamente.

Estou na parte externa de um bar lotado de velhinhos jogando baralho. Minha falta de compreensão me faz acreditar que a vida deles é tão chata e monótona que duvido muito que gostaria de chegar até esse ponto. Mas quem diz isso é minha arrogância de quem ainda viveu pouco. Cada fase da vida nos oferece possibilidades, prazeres e desafios, e apenas estando vivendo essa época é possível saber como se passa. 

MENOS JULGAMENTO, MAIS VIDA, MAIS COMPREENSÃO E MENOS ARROGÂNCIA!

LM