segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Dia 17 - Caminho de Santiago - El Burgo Ranero

Tem momentos que você sabe que são especiais e dos quais você se lembrará por toda vida. Sem dúvida alguma estou vivendo muitos desses momentos aqui no caminho.

Além de tudo que já escrevi, sobre o caminho e sobre as pessoas, tem também os pequenos vilarejos que estamos atravessando diariamente, além dos nossos hospedeiros nos albergues, muitos voluntários ou proprietários que são do próprio vilarejo.

Essas cidadezinhas são como um tunel do tempo em vários aspectos. Em muitas temos as famosas igrejas que foram construídas quando o Brasil ainda nem existia, além de umas casinhas construídas de barro e madeira que parecem saídas de algum livro medieval do tipo que eu e minha mãe adoramos. Nesses lugares, aparentemente pouca coisa mudou, muitos nasceram e se mantém há séculos devido ao Caminho, a energia é muito forte, muito fluída de peregrinos que passam por ali sem parar, dia após dia, há muito e muito tempo. Quase todas nos oferecem uma fonte de água fresca e ao menos um bar para podermos comer um pincho de tortilla, um bocadillo ou apenas um café e uma desculpa para uma pausa. Imaginar uma vida nesses lugares me parece muito complicado, e por isso mesmo é um aprendizado observar as escolhas que cada um, com seu livre arbítrio, faz.

As pessoas que nos recebem e ali vivem são uma atração à parte. Em muitos albergues, como o que estou hoje, a pessoa passa por um processo de seleção e treinamento, paga sua passagem do país onde vive até a Espanha, e passa cerca de 2 semanas trabalhando sem ganhar um tostão num fim de mundo. Qual a motivação? Acredito que a mesma força que me faz caminhar todos os dias aqui. Essa excitação irracional que fazer o Caminho nos dá, a ânsia de conhecer novas pessoas, a possibilidade de ajudar pessoas que estão em busca das mais variadas respostas, e o aprendizado que esse contato pode nos proporcionar. No nosso caso, como peregrinos, é um aprendizado móvel, que acontece caminhando, com mudanças diárias, muitas vezes mudando de companheiros, ou mesmo estando sozinho diversos momentos. Já um hospedeiro está fixo olhando esse fluxo de pessoas e motivos diariamente passando. Acredito que a perspectiva faz com que se tenha uma experiência completamente diferente, talvez mais intensa, calma e profunda.

Uma pena que a condição de peregrino não permite um contato maior com a população dos vilarejos, que nos veem de certa forma como nuvens, como uns zumbis que chegam e vão dia após dia. Não há muito interesse nos peregrinos, os que trabalham nos serviços que usamos são corteses e educados, mas só isso. Acabamos interagindo apenas entre nós mesmos.

Hoje atingi o centro geográfico do caminho. Eu achei meio estranho, porque acho que já estou bem mais próximo de Santiago, acredito que chego em 2 semanas. Apareceu uma nova bolha no calcanhar, e a dor no pé virou uma sensação permanente. O Caminho não é fácil, é bom e estou gostando, mas cobra seu preço fisicamente.

Estou na parte externa de um bar lotado de velhinhos jogando baralho. Minha falta de compreensão me faz acreditar que a vida deles é tão chata e monótona que duvido muito que gostaria de chegar até esse ponto. Mas quem diz isso é minha arrogância de quem ainda viveu pouco. Cada fase da vida nos oferece possibilidades, prazeres e desafios, e apenas estando vivendo essa época é possível saber como se passa. 

MENOS JULGAMENTO, MAIS VIDA, MAIS COMPREENSÃO E MENOS ARROGÂNCIA!

LM






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